Após as resenhas das Meditações de Marco Aurélio, voltamos com a análise das cartas de Sêneca.
Na Carta 69 volta a discussão o tempo de devemos dedicar ao estudo, o problema com mudanças constantes e as distrações causadas pela busca do prazer.
Vale lembrar da Carta 28, onde Sêneca questiona:
“Você pergunta por que tal fuga não o ajuda? É porque você foge acompanhado de você mesmo. Você deve deixar de lado os fardos da mente; até que você faça isso, nenhum lugar irá satisfazê-lo.” (XXVIII.2)
Diz que devemos aplicar o remédio da filosofia longamente, sem interrupção, mantendo a tranquilidade da alma. Afirma que a mudança traz de volta anseios esquecidos, e que aquele que se afasta do mundo dos homens ocupados, não deve se colocar como alvo da tentação:
“Assim como aquele que tenta livrar-se de um amor antigo deve evitar todo lembrete da pessoa que antes era querida (pois nada cresce tão facilmente como o amor), da mesma forma, aquele que deixaria de lado o seu desejo por todas as coisas que costumava desejar tão apaixonadamente, deve afastar olhos e ouvidos dos objetos que abandonou.” (LXIX, 3)
Conclui a carta falando da morte, e instiga Lucílio a não temê-la.
(Imagem Diógenes em busca de um homem honesto por Jacob Jordaens)
LXIX. Sobre estar quieto e Inquietação
Saudações de Sêneca a Lucílio.
- Eu não gosto que você mude sua sede e debande de um lugar a outro. Minhas razões são, primeiro, que tal emigração frequente signifique um espírito instável. E o espírito não pode, através do retiro, crescer em harmonia, a menos que tenha cessado sua curiosidade e suas andanças. Para ser capaz de manter seu espírito sob controle, você deve primeiro parar a fuga constante do corpo.
- A minha segunda razão é que os remédios que são mais úteis são aqueles que não são interrompidos. Você não deve permitir que sua tranquilidade, ou o esquecimento a que você consignou sua vida anterior, serem penetrados. Dê a seus olhos tempo para desaprender o que eles viram, e seus ouvidos para se acostumar a palavras mais saudáveis. Sempre que você se move ao exterior você encontrará, mesmo quando passa de um lugar para outro, coisas que trarão de volta seus anseios antigos.
- Assim como aquele que tenta livrar-se de um amor antigo deve evitar todo lembrete da pessoa que antes era querida (pois nada cresce tão facilmente como o amor), da mesma forma, aquele que deixaria de lado o seu desejo por todas as coisas que costumava desejar tão apaixonadamente, deve afastar olhos e ouvidos dos objetos que abandonou. As emoções logo retornam ao ataque;
- Em cada turno elas vão notar diante de seus olhos um objeto digno de sua atenção. Não há mal que não ofereça incentivos. A Avareza promete dinheiro; Luxúria, variado sortimento de prazeres; a Ambição, um manto roxo[1] e aplausos, e a influência que resulta dos aplausos, e tudo que essa influência pode fazer.
- Vícios o tentam pelas recompensas que oferecem; mas na vida de que falo, você deve viver sem ser pago. Dificilmente bastará uma vida inteira para subjugar nossos vícios e fazê-los aceitar o julgo, inchados por longas indulgências; e ainda menos, se golpearmos nosso breve intervalo por qualquer interrupção. Mesmo cuidado e atenção constantes dificilmente podem trazer uma empreitada a conclusão completa.
- Se você vai dar ouvidos ao meu conselho, pondere e pratique isso, – como acolher a morte, ou mesmo, se as circunstâncias recomendarem esse curso, convidá-la. Não há diferença se a morte vem a nós, ou se nós vamos à morte. Faça-se crer que todos os homens ignorantes estão errados quando dizem: “É uma coisa linda morrer a própria morte”[2]. Mas não há homem que não morra sua própria morte. E mais, você pode refletir sobre este pensamento: Ninguém morre exceto em seu próprio dia. Você está jogando fora nada de seu próprio tempo; porque o que você deixa para trás não pertence a você.
Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.
[1] Símbolo de poder estatal, cargo público relavante.
[2] Talvez a ideia inversa de “viver a própria vida”. Significa “morrer quando chega o devido tempo”, e é o argumento do homem comum contra o suicídio. Entretanto, talvez sugira o assunto da próxima carta.