Carta 40: Sobre o estilo apropriado para o discurso de um filósofo

Na carta 40 é discutido com deve ser o discurso de um filósofo. É uma carta prática, com preceito claro sobre como se portar.  Para Sêneca um filósofo deve ser sereno e bem ordenado ao falar, sua comunicação deve ser simples e sem artifícios.

Portanto, marque minhas palavras; essa maneira vigorosa de falar, rápida e copiosa, é mais adequada a um charlatão do que a um homem que está discutindo e ensinando um assunto importante e sério. Mas eu me oponho tão fortemente que deva gotejar suas palavras como que deva avançar em alta velocidade; não se deve manter a orelha sob tensão, nem a ensurdecer. Pois esse estilo pobre e fraco também torna o público menos atento porque o cansa de sua lentidão balbuciante. Finalmente, as pessoas falam de “transmitir” preceitos aos seus alunos; mas não se está “transmitindo” o que escapa à compreensão.” (XL, 3-4)

Na sequência Sêneca compara vários estilos de oradores famosos e situações onde o orador deve ser mais ou menos eloquente.  Termina a carta reforçando o argumento inicial:

Portanto, o núcleo final das minhas observações é o seguinte: eu lhe digo que seja lento ao falar.“(XL,14)

(Ilustração, Cicero Denuncia Catilina, por Cesare Maccari )


XL. Sobre o estilo apropriado para o discurso de um filósofo

Saudações de Sêneca a Lucílio.

  1. Agradeço-lhe por ter me escrito tantas vezes; pois você está revelando seu verdadeiro espirito para mim da única maneira que pode. Eu nunca recebo uma carta de você sem entrar imediatamente em sua companhia. Se o esboço de nossos amigos ausentes é agradável para nós, embora apenas refresque a memória e alivie nosso anseio por um consolo irreal e insubstancial, quão mais agradável é uma carta, que nos traz verdadeiros vestígios, evidências reais de um amigo ausente! Pois o que é mais doce quando nos encontramos face a face é concedido pela impressão pela mão de um amigo em sua carta, – reconhecimento.
  2. Você escreve-me que ouviu uma palestra do filósofo Serapião, quando esteve em seu lugar de residência atual. “Ele está acostumado”, você diz, “a distender suas palavras em uma corrida poderosa, e não deixa que elas fluam uma a uma, mas as faz se aglomerarem e se precipitarem uma sobre a outra. Uma única voz é inadequada para expressá-las.” Eu não aprovo isso em um filósofo; seu discurso, como sua vida, deve ser sereno; e nada que corre impetuosamente e é apressado é bem ordenado. É por isso que, em Homero, o estilo rápido, que varre sem uma pausa como uma rajada de neve, é atribuído ao orador mais jovem; do idoso a eloquência flui delicadamente, mais doce do que o mel[1].
  3. Portanto, marque minhas palavras; essa maneira vigorosa de falar, rápida e copiosa, é mais adequada a um charlatão do que a um homem que está discutindo e ensinando um assunto importante e sério. Mas eu me oponho tão fortemente que deva gotejar suas palavras como que deva avançar em alta velocidade; não se deve manter a orelha sob tensão, nem a ensurdecer. Pois esse estilo pobre e fraco também torna o público menos atento porque o cansa de sua lentidão balbuciante; no entanto, a palavra que há muito se espera penetra com mais facilidade do que a palavra que passa rapidamente. Finalmente, as pessoas falam de “transmitir” preceitos aos seus alunos; mas não se está “transmitindo” o que escapa à compreensão.
  4. Além disso, o discurso que lida com a verdade deve ser simples e sem artifícios. Este estilo popular não tem nada a ver com a verdade; seu objetivo é impressionar o rebanho comum, para arrebatar orelhas despreocupadas por sua velocidade; não se oferece para discussão, mas se afasta da discussão. Mas como esse discurso pode governar outros que não podem ser governados? Não posso também mencionar que todo discurso que é empregado com o propósito de curar nossas mentes, deve penetrar em nós? Remédios não valem a menos que permaneçam no sistema.
  5. Além disso, esse tipo de discurso contém uma grande quantidade de vazio; tem mais som do que poder. Meus terrores deveriam ser acalmados, minhas irritações apaziguadas, minhas ilusões sacudidas, minhas indulgências contidas, minha ganância repreendida. E qual dessas curas pode ser feita com pressa? Que médico pode curar seu paciente em uma visita de passagem? Posso acrescentar que tal jargão de palavras confusas e mal escolhidas também não podem conceder ao prazer?
  6. Não; mas, assim como você está satisfeito, na maioria dos casos, ter visto truques os quais não pensava que poderiam ser feitos, então no caso desses ginastas de palavra, tê-los ouvido uma vez é mais que o suficiente. O que um homem deseja aprender ou imitar neles? O que deve pensar de suas almas, quando seu discurso é enviado para o ataque em total desordem, e não pode ser controlado?
  7. Assim como, quando você corre colina abaixo, você não consegue parar no ponto planejado, mas seus passos são levados pelo momento de seu corpo e são carregados para além do local onde você quis parar; então essa velocidade de fala não tem controle sobre si mesma, nem é apropriada para a filosofia; uma vez que a filosofia deve cuidadosamente colocar suas palavras, não as arremessar ao esmo, e deve proceder passo a passo.
  8. O que então?” Você diz; “Não deveria a filosofia tomar às vezes um tom mais majestoso?” Claro que ela deveria; mas a dignidade de caráter deve ser preservada, e isso é despojado por força tão violenta e excessiva. Que a filosofia possua grandes forças, mas bem controladas; deixe seu fluxo fluir incessantemente, mas nunca se tornar uma torrente. E eu dificilmente permitiria até mesmo a um advogado uma rapidez de discurso como esta, que não pode ser chamada de volta, que vai à frente sem lei; pois como poderia ser seguido pelos jurados, que são frequentemente inexperientes e não treinados? Mesmo quando o advogado é levado por seu desejo de mostrar seus poderes, ou por uma emoção incontrolável, mesmo assim ele não deve acelerar o seu ritmo e amontoar as palavras em uma extensão maior do que o ouvido pode suportar.
  9. Você estará agindo corretamente, portanto, se você não respeitar aqueles homens que procuram o quanto podem dizer, ao invés de como devem dizê-lo, e se for para escolher, já que uma escolha deve ser feita, fale como Públio Vinício, o gago. Quando perguntaram a Asellio como Vinício falou, ele respondeu: “Arrastada”! (Era uma observação de Gémino Valério, a propósito: “Eu não vejo como você pode chamar esse homem de eloquente, porque, ele não pode pronunciar três palavras juntas.”) Por que, então, você não deveria escolher falar como Vinício faz?
  10. Embora, naturalmente, alguns gaiatos possam atravessar o seu caminho, como a pessoa que disse, quando Vinício estava arrastando suas palavras uma a uma, como se ele estivesse ditando e não falando. “Diga alguma coisa, você não tem nada a dizer?” E, no entanto, essa era a melhor escolha, pois a rapidez de Quinto Hatério, o orador mais famoso de sua época, é, a meu ver, evitada por um homem sensato. Hatério nunca hesitou, nunca parou; ele fazia apenas um começo, e apenas uma parada.
  11. No entanto, suponho que certos estilos de linguagem sejam mais ou menos adequados às nações também; em um grego você pode tolerar o estilo desenfreado, mas nós, romanos, mesmo quando escrevemos, nos acostumamos a separar nossas palavras. E nosso compatriota Cícero, com quem a oratória romana saltou a destaque, também tinha um passo lento. A língua romana está mais inclinada a fazer um balanço de si mesma, a ponderar e a oferecer algo que valha a pena ponderar.
  12. Fabiano, homem notável por sua vida, por seu conhecimento, e, menos importante do que estes, por sua eloquência também, costumava discutir um assunto com mais urgência do que com pressa; consequentemente você poderia chamar de facilidade ao invés de velocidade. Eu aprovo esta qualidade no homem sábio; mas eu não a exijo; apenas deixe seu discurso prosseguir sem obstáculos, embora eu prefira que ele deva ser deliberadamente proferido em vez de com excessiva abundância.
  13. Contudo, tenho esta razão adicional para afastá-lo desta última doença, a saber, que você poderia somente ser bem-sucedido em praticar este estilo perdendo seu senso de modéstia; você teria que raspar toda a vergonha do seu semblante, e se recusar a ouvir-se falar. Pois esse fluxo despreocupado levará consigo muitas expressões que você gostaria de criticar.
  14. E, repito, você não poderia conseguir e, ao mesmo tempo, preservar sua sensação de vergonha. Além disso, você precisaria praticar todos os dias, e transferir sua atenção do assunto para as palavras. Mas as palavras, mesmo que elas venham a você prontamente e fluam sem qualquer esforço de sua parte, ainda teriam que ser mantidas sob controle. Pois, assim como um andar menos ostensivo calha bem a um filósofo, o mesmo acontece com um estilo de expressão reprimido, longe da ousadia. Portanto, a súmula das minhas observações é o seguinte: eu lhe digo que seja lento ao falar[2].

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.

[1] Referência a Ilíada, III, 222 sobre a eloquência de Ulisses, o “orador mais jovem” em comparação com I, 249 Nestor, o “orador idoso”.

[2] Sêneca usa um neologismo “tardiloquus”