Estoicos assistem a Copa do Mundo?

Sim. Claro.

Apesar do Futebol ainda não ter sido inventado, os filósofos antigos abordaram o assunto de competição esportiva:

“Certamente, quanto maior a multidão com que nos misturamos, maior o perigo. Mas nada é tão prejudicial ao bom caráter como o hábito de frequentar os estádios [lutas de gladiadores] ; pois é lá que o vício penetra sutilmente por uma avenida de prazer.”(Sêneca, Carta VII.2)

“Do meu preceptor [eu aprendi] a não ter pertencido à facção nem dos Verdes, nem dos Azuis [corridas de cavalos], nem partidário dos Grandes-Escudos, nem dos Pequenos-Escudos [lutas de gladiadores] “(Marco Aurélio, Meditações – I.5)

“Raramente, quando a ocasião pedir, fala algo, mas não sobre coisa ordinária: nada sobre lutas de gladiadores, corridas de cavalos, nem sobre atletas, (…)– assuntos falados por toda parte” (Epiteto, Encherídion[33.2])

Não temos gladiadores hoje em dia, no entanto,  essas três passagens não são sobre rejeitar o prazer oferecido pelo futebol moderno, mas, ao contrário, sobre abordá-lo da maneira correta, no sentido de que pode proporcionar não apenas entretenimento, mas também oportunidades para praticar a virtude.

Antes de eu explicar, deixe-me lembrá-lo que assistir esportes é, na melhor das hipóteses, classificado entre os indiferentes preferidos, ou seja, o tipo de coisa que não faz de você uma pessoa melhor ou pior (não gostar de futebol não faz você mais inteligente). Ou seja, a atividade é moralmente neutra e, além disso, o resultado certamente não está sob seu controle. (Lembrem do 7×1)

Então, quais virtudes podemos treinar assistindo a um jogo de futebol? Todas elas! Especialmente se for ao estádio para assistir ao vivo, ou se estiver na presença de fãs da equipe adversária. Vamos ver:

  • Sabedoria prática (phronesis, ou prudência): Isto é o conhecimento do que é verdadeiramente bom ou mau. Se o “meu” time vence ou perde é irrelevante, o que significa que devo aceitar qualquer resultado com equanimidade.
  • Temperança: Assistir apenas alguns jogos selecionados (senão gastaríamos muito do nosso tempo, que segundo Sêneca, é o único bem que nunca recebemos de volta), e participar da festa com moderação (ao contrário, digamos, de um hooligan bêbado que incomoda as outras pessoas).
  • Coragem: bater palmas para a equipe adversária, ou um de seus jogadores, sempre que merecerem, mesmo que seus amigos e co-fãs fiquem constrangidos com o seu comportamento.
  • Justiça: trate tanto os jogadores quanto os torcedores do outro time como seres humanos, membros da mesma cosmópolis, não os insulte (nem a mãe do árbitro), e, é claro, não parta para a violência.

Agora, se você me der licença, a Argentina logo vai jogar com a Croácia.  Vai Croácia!!!

 

(imagem, escultura de Sêneca por Barron goleando os epicuristas)

(artigo baseado no texto de Massimo Pigliucci)

Pensamento do Dia #29: “A vida, se você souber usá-la, é longa”

Não é que tenhamos um curto espaço de tempo, mas que desperdiçamos muito dele. A vida é longa o suficiente, e foi dada em medida suficientemente generosa para permitir a realização das maiores coisas, se a totalidade dela estiver bem investida. Mas quando é desperdiçada em luxo e descuido, quando é dedicada um fim inútil, forçada, finalmente, pela necessidade final, percebemos que já passou antes que estivéssemos conscientes de que estava passando. Assim é – a vida que recebemos não é curta, mas nós a assim fazemos, nem somos dela carentes, mas esbanjadores. Assim como a riqueza grandiosa é esbanjada no momento em que chega às mãos de um mau dono, já a riqueza, por mais limitada que seja, quando confiada a um bom guardião, aumenta, assim também a vida é amplamente longa para aquele que sabe dela bem dispor.  (Sêneca – Sobre a Brevidade da Vida-1 )

(Imagem Morte de Cesar por Vincenzo Camuccini)

 


Dia das Mães: Carta de Sêneca a sua mãe Hélvia

Neste dia das mães voltamos a comentar a carta de consolação enviada por Sêneca a sua mãe.

Nesta carta vemos como Sêneca, ao contrário do costume romano, incentiva também as mulheres a estudarem filosofia:

“Por isso incito-lhe a procurar refúgio onde todos os que procuram conforto para suas mágoas deviam refugiar-se: nos estudos da filosofia. Ela saberá sarar sua ferida, arrancando de você toda queixa.  Oh! se meu pai, que era o melhor dos homens, mas estava demasiadamente preso aos costumes dos antepassados, tivesse desejado que você fosse ensinada ao invés de informada somente dos preceitos da sabedoria! Agora, contra os golpes da fortuna, precisaria não procurar auxílios mas servir-se dos que teria. Mas meu pai não quis que você seguisse sua inclinação para esses estudos por causa das mulheres que se servem da cultura não para tirar regras de sabedoria e sim para enfeitar-se com ela como com custosa joia. Todavia, graças à sua pronta inteligência, assimilou mais que quanto pudesse fazer supor o tempo dedicado à cultura: já lançou os alicerces de toda disciplina. Volte para ela, agora: ela lhe protegerá. Ela lhe consolará” (Consolação a Minha Mãe Hélvia XVII, 4-5)

(imagemSarcófago de Marcus Cornelius Statius ,Louvre)

Leia mais em:

 

 

Como iniciar o estudo do estoicismo

Acredito que a melhor forma de conhecer o estoicismo é ler os clássicos: Epicteto, Sêneca,  Marco Aurélio, Catão e Cícero. Destes, Sêneca é a leitura mais fácil. O livro “Estoicismo” de George Stock é uma envolvente explicação do estoicismo clássico.

Muitos preferem iniciar o estudo lendo textos contemporâneos, nesse caso sugiro ler  William Irvine,  Massimo PigliucciPatrick UssherRyan Holiday este último criticado como “auto-ajuda”.

Uma sugestão é rever os princípios estoicos nas postagens abaixo, e então se aprofundar nas leituras indicadas.

Princípios Estoicos:


Livros recomendados: 

Clássicos:

         

        

     

        

     

       

        

Contemporâneos:

     

     

Conheça a Montecristo Editora. Conheça a versão em inglês: The Stoic Letters

Carta 18: Sobre Festivais e Jejum

As Cartas oferecem algo além da filosofia: você tem vislumbres ocasionais da vida privada de Sêneca, bem como da vida em Roma no auge do poder imperial. Esse é um ótimo bônus além do conhecimento filosófico!

Esta é uma de minhas cartas prediletas, onde Sêneca dá o conselho de não se abster de se divertir, mas simplesmente não exagerar:

Mostra-se muito mais coragem permanecendo abstêmio e sóbrio quando a multidão está bêbada e vomitando; mas mostra maior autocontrole recusar-se a se afastar e fazer o que a multidão faz, mas de uma maneira diferente, portanto, não se tornando conspícuo nem se tornando um dentre as multidões. Pois pode-se guardar os festivais sem extravagância.”(XVIII, §4)

É exatamente assim que me sinto no Carnaval,  no Natal e assim por diante. Claro que queremos nos divertir e compartilhar um momento agradável da vida com nossa família e amigos. Mas nós temos que ficar bêbados ou doentes por comer demais para fazer isso?

Sêneca então aproveita o tópico em questão para apresentar um ponto mais geral sobre um exercício estoico padrão, auto-privação moderada:

 “separe determinados dias em que você se retirará de seus negócios e ficará em casa com a alimentação da mais escassa. Estabeleça relações diplomáticas com a pobreza….só aquele está em afinidade com Deus, que pode desprezar a riqueza.” (XVIII, 12-13)

A carta de Sêneca não apenas critica a decadência moral e o excesso, mas oferece um guia prático para a vida virtuosa. Ela sugere que a verdadeira liberdade e paz interior vêm da capacidade de viver bem com pouco, de controlar as emoções, e de se preparar para as adversidades da vida. Este é um exemplo clássico da filosofia estoica aplicada ao comportamento individual em um contexto social.


XVIII. Sobre Festivais e Jejum

Saudações de Sêneca a Lucílio.

1. É quase dezembro e mesmo assim a cidade está neste momento em um mormaço. A licença é dada para a folia geral. Tudo ressoa com poderosos preparativos, como se as Saturnálias74 diferissem do dia-a-dia usual! Tão verdadeiro é que a diferença é nenhuma, que considero correta a observação do homem que disse: “Uma vez dezembro foi um mês, agora é um ano.”

2. Se eu tivesse você comigo, eu ficaria feliz em trocar ideias e descobrir o que você acha que deve ser feito, se não devemos mudar nada em nossa rotina diária, ou se, nem que por compaixão com os costumes populares, nós devamos jantar em uma maneira mais alegre e despir a toga. Tal como é, nós, os romanos, trocamos nossas roupas por causa do feriado,75 embora em tempos antigos isso acontecia somente quando o Estado estava perturbado e caíra em desgraça.

3. Tenho a certeza de que, se eu o conheço bem, desempenhando o papel de um árbitro, teria desejado que não fôssemos nem como a multidão libertina em todos os sentidos, nem diferentes dela em absolutamente todos os aspectos, a menos que, talvez, esta seja apenas a época em que devamos estabelecer lei à alma e pedir que seja a única a abster-se de prazeres quando a multidão inteira se deixa ir em prazeres, pois esta é a prova mais segura que um homem pode obter de sua própria constância, se ele não busca as coisas que são sedutoras e o tentam ao luxo, nem é levado para elas.

4. Mostra-se muito mais coragem permanecendo-se abstêmio e sóbrio quando a multidão está bêbada e vomitando, mas mostra-se maior autocontrole ficar na multidão e recusar-se a fazer o que ela faz, agindo de uma maneira diferente, portanto, não se tornando conspícuo nem se tornando apenas um dentre a multidão. Pois pode-se guardar os festivais sem extravagância.

5. Estou tão firmemente decidido, no entanto, a testar a constância de sua mente que, extraindo dos ensinamentos de grandes homens, eu também lhe darei uma lição: reserve um certo número de dias, durante os quais você se contentará com a alimentação mais barata e escassa, com vestes grosseiras e ásperas, dizendo a si mesmo: “É esta a situação que eu temia?

6. É precisamente em tempos despreocupados que a alma deve endurecer-se de antemão para ocasiões de maior estresse e é enquanto a Fortuna é amável que se deve fortalecer contra sua violência. Em dias de paz, o soldado executa manobras, lança obras de terraplenagem sem inimigo à vista e se exercita, a fim de se tornar indiferente à labuta inevitável. Se você não quer que um homem recue quando a crise chegar, treine-o antes que ela chegue. Tal é o curso que esses homens seguiram que, em sua imitação de pobreza, quase todos os meses chegavam quase à miséria, de forma que eles nunca recuarão do que ensaiaram com tanta frequência.

7. Você não precisa supor que eu quero dizer refeições como Tímon,76 ou “cabines de homem pobre”,77 ou qualquer outro dispositivo que luxuosos milionários usam para enganar o tédio de suas vidas. Deixe a cama de palha ser real e o manto, grosseiro; deixe o pão ser duro e sujo. Resistir a tudo isso por três ou quatro dias por vez, às vezes por mais, para que possa ser um teste de si mesmo em vez de um mero passatempo. Então, asseguro-lhe, meu querido Lucílio, que saltará de alegria quando obtiver um bocado de comida e compreenderá que a paz de espírito de um homem não depende da Fortuna, pois mesmo quando irritada ela concede o suficiente para as nossas necessidades.

8. Não há nenhuma razão entretanto para que você pense que está fazendo qualquer coisa grande; porque você estará apenas fazendo o que muitos milhares de escravos e muitos milhares de pobres estão fazendo todos os dias. Mas você pode beneficiar-se disso, pois você não vai fazê-lo sob coação e que será tão fácil para você suportá-lo permanentemente tanto como para fazer experiência de vez em quando. Vamos praticar nossos golpes no “boneco”; nos fazer íntimos com a pobreza, para que a Fortuna não nos pegue despreparados. Seremos ricos com mais conforto se uma vez descobrirmos que a pobreza está longe de ser um fardo.

9. Mesmo Epicuro, o grande mestre do prazer, costumava observar intervalos declarados, durante os quais ele satisfazia a sua fome de maneira sovina, desejava ver se, assim, ficava aquém da plena e completa felicidade e, se fosse assim, em que quantia ficava aquém, e se essa quantidade valia a pena comprar ao preço de um grande esforço.78 De qualquer forma, ele faz tal declaração na conhecida carta escrita a Polieno.79 Na verdade, ele se vangloria de que ele próprio viveu com menos de um asse (centavo),80 mas que Metrodoro, cujo progresso ainda não era tão grande, precisava de um asse inteiro.

10. Você acha que pode haver plenitude em tal alimentação? Sim e há prazer também, não aquele prazer falso e fugaz que precisa de um estímulo de vez em quando, mas um prazer que é firme e seguro. Pois, embora a água, a farinha de cevada e as crostas de pão de cevada não sejam uma dieta alegre, no entanto, é o tipo mais elevado de prazer poder obter alegria deste tipo de alimento e ter reduzido suas necessidades a esse mínimo que nenhuma injustiça da Fortuna pode arrebatar.

11. Mesmo comida das prisões é mais generosa e aqueles que foram condenados à pena de morte não são tão mal alimentados pelo homem que deve executá-los. Portanto, que alma nobre se deve ter, para descer de próprio arbítrio a uma dieta que mesmo aqueles que foram condenados à morte receariam! Isso é de fato prevenir-se das lanças da má Fortuna.

12. Comece então, meu caro Lucílio, a seguir o costume destes homens, e separe determinados dias em que você se retirará de seus negócios e ficará em casa com a alimentação da mais escassa. Estabeleça relações diplomáticas com a pobreza: “Desafie, ó amigo meu, desprezar o ponto de vista da riqueza e molde-se com afinidade com seu Deus.”81

13. Pois só aquele que está em afinidade com Deus, pode desprezar a riqueza. É óbvio que não o proíbo de possuí-la, mas gostaria que chegasse ao ponto em que a possuísse intrepidamente. Isso só pode ser realizado persuadindo-se de que você pode viver feliz tanto sem ela, quanto com ela, mas sempre considerando que as riquezas podem possivelmente lhe iludir.

14. Mas agora devo começar a dobrar a minha carta. “Pague sua dívida primeiro!”, você clama. Aqui está um texto de Epicuro; ele vai pagar a conta: “Raiva desgovernada produz loucura.82 Você não pode evitar saber a verdade dessas palavras, já que você tem não só escravos, mas também inimigos.

15. Mas, de fato, esta emoção resplandece contra todas as espécies de pessoas, brota tanto do amor quanto do ódio e se mostra não menos em assuntos sérios do que em brincadeira e esporte. E não faz diferença a importância da provocação, mas em que tipo de alma ela penetra. Da mesma forma com o fogo: não importa quão grande é a chama, mas sobre o que ela cai. Pois madeiras sólidas têm repelido um fogo muito grande, por outro lado, matéria seca e facilmente inflamável nutre a menor chama em um incêndio. Assim é com a raiva, meu caro Lucílio: o resultado de uma raiva poderosa é a loucura, e, portanto, a raiva deve ser evitada, não apenas para que possamos escapar do excesso, mas para que possamos ter uma mente saudável.83

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.


74 Saturnália era um festival da Antiga Roma em honra ao deus Saturno, se estendendo com festividades até 23 de dezembro. O feriado era celebrado com um sacrifício no Templo de Saturno, no Fórum Romano; um banquete público, seguido de troca de presentes em privado; festa contínua e uma atmosfera de carnaval que derrubava as normas sociais romanas. As Saturnálias mesclavam elementos que em parte correspondem às nossas festas de Natal (a troca de presentes) e em parte (a licenciosidade) se aproximam do Carnaval. Na sátira “A Apocoloquintose do divino Cláudio” Sêneca diz que Cláudio “qual príncipe de Carnaval, celebrava o mês de Saturno durante o ano inteiro” (8.2) e, mais para frente, após sua morte, “eu bem vos dizia que o Carnaval não havia de durar sempre!” (12.2).

75 pilleus era usado por escravos recém-libertados e pela população romana em ocasiões festivas. Antigamente, trocava-se a toga pelo trajo militar em períodos de guerra (“agitação”), ou por roupa de luto (“calamidades”). Ver Marcial.

76 Tímon de Fliunte, filho de Timarco, foi um filósofo cético grego, pupilo de Pirro de Élis, célebre autor de poemas satíricos.

77 Os homens ricos às vezes instalavam em seus palácios uma imitação de “cabine de homem pobre”, por contraste com os outros quartos ou como um gesto para uma vida simples.

79 Polieno de Lâmpsaco foi anteriormente um matemático da Grécia Antiga e posteriormente um discípulo de Epicuro. Apesar de matemático, diz-se que convenceu Epicuro de que a geometria era um desperdício de tempo.

80 É, como esperado, impossível uma equivalência entre as moedas romanas e moedas atuais. De qualquer modo “um asse” é um valor mínimo, poderíamos expressar por “um tostão” ou “um centavo”.

81 Trecho de Eneida de Virgílio, VIII, 364.

83 Ver tratado “Sobre a Ira”.

Pensamento do Dia #28: Trabalho e Prazer

“Quando eu ainda era um menino na escola, ouvi dizer esse ditado grego, e como o sentimento é verdadeiro e marcante, bem como nítido e redondo, eu fiquei muito feliz em memorizá-lo. “Se alguém realiza algum bem embora com trabalho, a labuta passa, mas o bem permanece; se alguém faz algo desonroso com prazer, o prazer passa, mas a desonra permanece“.

Depois, li esse mesmo sentimento em um discurso de Catão, que foi proferido em Numantia. Embora se expresse de forma um pouco menos compacta e concisa, em comparação com o grego que citei, mas por ser anterior e mais antigo, pode parecer mais impressionante. As palavras de seu discurso são as seguintes: “Considere isto em seus corações: se você realizar algum bem acompanhado com trabalho, a labuta rapidamente deixará você; mas se você fizer algum mal acompanhado com prazer, o prazer passará rapidamente, mas a má ação permanecerá com você sempre“.

Fragmento 51 de Musonio Rufo. Professor de Epiteto.

(imagem Gravura de 1886 – Liteira Romana)

 

 

Princípio Estoico #8: Percepção é chave

“Não são eventos que incomodam as pessoas, são seus julgamentos a respeito deles.”  Manual de Epicteto [5]

O que é percepção?

É como vemos e entendemos o que acontece ao nosso redor e o que decidimos que esses eventos significam. Nossas percepções podem ser como uma bola de chumbo acorrentada aos nossos pés, nos segurando e nos deixando fracos, ou podem ser uma grande fonte de força.

O que nós já aprendemos com os estoicos é que eles vêem eventos externos não como bons ou ruins, mas como indiferentes. Então não são esses eventos, porque eles são indiferentes, mas o seu próprio julgamento deles eventos é que importa.

“Se você está sofrendo por qualquer coisa externa, não é isso que te perturba, mas seu próprio julgamento sobre isso. E está em seu poder acabar com esse julgamento agora” (Meditações de Marco Aurélio)

Isso faz com que você seja responsável por sua vida. Você não controla eventos externos, mas controla como escolhe vê-los e responder a eles. E, no final, isso é tudo que importa.

“Lembre-se de que os infortúnios só podem ser previstos para o seu corpo ou sua propriedade, mas sua mente está sempre disponível para transformá-los em boa sorte, respondendo com virtude.”Manual de Epicteto

Você sempre pode responder com virtude.  Os estoicos tinham essa idéia de que você pode transformar todos os obstáculos em uma oportunidade. Marco Aurélio descreveu assim:

“O impedimento à ação promove a ação. O que fica no caminho se torna o caminho.” (Meditações de Marco Aurélio)

A chave para reconhecer essas oportunidades está na sua percepção. Como você vê as coisas é muito mais importante do que as próprias coisas. Você pode achar o bem em tudo. O estoicismo nos ensina a considerar tudo como uma oportunidade de crescimento.


 

Princípios Estoicos:


Livros Citados:

 

 

 

Princípio Estoico #7: Amor Fati – Ame tudo o que acontece

“Não busques que os acontecimentos aconteçam como queres, mas quere que aconteçam como acontecem, e tua vida terá um curso sereno”. Manual de Epicteto [8.1]

Digamos que aconteceu algo que não desejamos. Agora, o que é mais fácil de mudar: nossa opinião ou o próprio evento? A resposta é óbvia. O evento está no passado e não pode ser alterado. Mas nossa opinião pode. Podemos aceitar o que aconteceu e mudar o nosso desejo de não ter acontecido.

Nietzsche, muitos séculos depois, criou a expressão perfeita para capturar essa idéia: amor fati (amor ao destino):

“Minha fórmula para a grandeza em um ser humano é amor fati: aquele não quer que nada seja diferente, nem para frente, nem para trás, nem em toda a eternidade. Não apenas suportar o que é necessário, menos ainda esconder, mas amar o acontecido”. (Nietzsche – Ecce Homo -seção ‘Por que eu sou tão inteligente’)

Os estóicos usavam uma metáfora poderosa, o cão atrelado a uma carroça:

Imagine um cão preso a uma carroça em movimento. A coleira é longa o suficiente para que o cão tenha duas opções: 1)ele pode seguir suavemente a direção da carroça, sobre a qual ele não tem controle e ao mesmo tempo aproveitar o passeio; ou 2)ele pode obstinadamente resistir a carroça com toda sua força e acabar sendo arrastado pela viagem.

Nós somos esse cachorro. Ou fazemos o melhor da viagem ou lutamos contra cada pequena decisão que o condutor faz. Nos escolhemos.

A carroça sempre se move. A mudança é inevitável. Nas palavras de Ryan Holiday, “ficar chateado com as coisas é assumir erroneamente que elas vão durar … ressentir-se da mudança é assumir erroneamente que você tem uma escolha no assunto“. (The Daily Stoic – Ryan Holiday)

Marco Aurelio escreveu “um fogo ardente faz esplendor e brilho de tudo aquilo que é jogado nele“. (Meditações – Livro X)

Seja um cão sábio e aproveite o passeio. Mesmo que o condutor escolha uma estrada rica em obstáculos.

(imagem NJLifehacks – analogia estoica)


Princípios Estoicos:


Livros Citados:

               

Princípio Estoico #6: Pratique o Infortúnio – Pergunte-se “O que poderia dar errado?”

Existe o conhecido problema da Adaptação Hedônica,  a tendência observada nas pessoas para regressar rapidamente a um nível relativamente estável de felicidade apesar da ocorrência de importantes acontecimentos positivos ou negativos.

Os estoicos usavam uma ferramenta mental para evitar tal situação, “vacinando” suas mentes contra infortúnios. Eles se prepararam para coisas ruins que pudessem acontecer. Os romanos chamavam de “premeditatio malorum“. Premeditação da adversidade.

William Irvine descreve a solução como “a técnica mais valiosa no conjunto de ferramentas dos estoicos” e a chamou de “visualização negativa“:

“Os estoicos pensaram que tinham uma resposta a esta pergunta. Eles recomendaram  imaginar que perdemos as coisas que valorizamos – que nossa esposa nos deixou, nosso carro foi roubado ou perdemos nosso trabalho. Fazendo isso, os estoicos pensavam, nos fariam valorizar nossa esposa, nosso carro e nosso trabalho. Esta técnica – referimos a ela como visualização negativa – foi empregada pelos estoicos desde Crísipo. É, penso eu, a técnica mais valiosa no kit de ferramentas psicológicas dos estóicos. (A Guide to the Good Life)

Tal prática traz dois benefícios:

  1. Satisfação com o que já temos;
  2. Preparação para adversidades futuras;

Esteja pronto para que as coisas aconteçam de forma diferente do planejado. Tenha um plano alternativo.

Nada acontece com o homem sábio contra suas expectativas.” – Sêneca

Eu deveria me surpreender“, pergunta Sêneca, “se os perigos que sempre vagaram sobre mim possam chegar a mim em algum momento?” (Sobre a Brevidade da Vida)

Assolação – esse sentimento de estarmos absolutamente esmagados e arruinados por um evento – é um fator de quão pouco nós consideramos esse evento em primeiro lugar” – (  The Daily Stoic – Ryan Holiday)

O homem sábio prepara-se mentalmente. Nada pode acontecer que ele não tenha visto chegar. A premeditação da adversidade não faz com que tudo seja indolor e fácil de suportar. Mas isso nos ajuda a não entrar em pânico quando o problema acontece. Podemos enfrentar a adversidade com calma, analisá-la de forma racional e decidir tomar uma ação inteligente.

Experimente agora. O que você está planejando fazer nos próximos dias? O que poderia dar errado?

(Fortuna Marina por Frans Francken, A deusa romana Fortuna distribui aleatoriamente seus favores)


Princípios Estoicos:


 

Livros Citados: