Resenha: Meditações, Livro IV

Livro - meditacoes IV

No Livro 4, Marco Aurélio aborda o tipo de santuário que melhor sustenta o indivíduo . Ele alerta contra a vã acumulação de riqueza material. Em vez disso, ele sugere a prática da autodisciplina, criando ordem pessoal e tranquilidade a partir de dentro. A prática proporciona proteção contra a inveja, e lembra o homem de refrear o apetite pela fama, fortuna e louvor.

Segundo o imperador “Os homens buscam retiros para si mesmos, casas no campo, a beira-mar e nas montanhas … Mas está em seu poder sempre que você escolher se retirar em si mesmo”(§3), ou seja, em nenhum outro lugar há mais sossego ou mais liberdade dos problemas do que em sua própria alma. O livro IV pode ser resumido pelo parágrafo 7:

“O universo é transformação: a vida é opinião. Retire a sua opinião, e então é tirada a reclamação: ‘Fui prejudicado’. Tire a queixa: ‘fui ferido’, e o dano é tirado.” (IV,7)

Marco Aurélio também traz à tona o tema da comunidade política apoiada e sustentada pelos mesmos princípios racionais daqueles que sustentam um bom homem. O que é bom para o todo na ordenação do universo é bom para a sociedade e também é bom para o indivíduo. Não se pode ser um estranho ao universo e ao que ali se passa; agir desta forma é ser como um filósofo sem roupa.

Não só a vida é breve tanto para o “mendigo como para o rei”, diz Aurélio, mas seus eventos e acontecimentos (nascimento, doença, saúde, casamento, guerra, banquetes, etc.) são recorrentes e cíclicos. As mesmas coisas acontecem a todas as pessoas em suas vidas. A diferença está em como as contínuas mudanças de um estado para o outro (exemplificadas pelas mutações entre os elementos da terra, do ar, do fogo e da água) são percebidos. Uma pessoa enterra outra, assim como cidades inteiras, como Pompeia e Herculano, já foram enterradas. Não faz sentido, portanto, deixar que o medo da morte guie a vida.

O Livro 4 contém uma série de aforismos curtos. Por exemplo, Aurélio diz:

“Não faça como se você fosse viver dez mil anos. A morte paira sobre você. Enquanto vive, enquanto está em seu poder, seja bom.” (IV,17)

“Tudo é efêmero, tanto quem se lembra como o que é lembrado”. (IV,35)

“Você é uma pequena alma carregando um cadáver”(IV,41)

“Seja como o promontório contra o qual as ondas se quebram continuamente, contudo, ele permanece firme e doma a fúria da água que o circunda.”(IV,49)


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Resenha: Meditações, Livro III

No Livro III o foco está nos conceitos de Vida, Morte e Divindade.  Devemos fazer o certo não nos importar com riqueza, fama e opinião dos outros

“Hipócrates, depois de curar muitas doenças, ele próprio adoeceu e morreu… Alexandre e Pompeu, e Caio César, depois de tantas vezes destruírem completamente cidades inteiras,  eles também finalmente se retiraram da vida… Você embarcou, fez a viagem, veio à praia; saia. Se de fato há outra vida, não há falta de deuses, nem mesmo ali; mas se a um estado sem sensação, você deixará de ser dominado por dores e prazeres, e de ser um escravo do corpo, que é tão inferior quanto aquele que o serve é superior.” (III,3)

Marco Aurélio, assim como Epiteto, muitas vezes se refere a deuses, e contempla a possibilidade de que não há nenhum, que morremos e entramos em um estado “sem sensação”. E, no entanto, isso não muda as coisas na perspectiva estoica:

“Se você trabalhar naquilo que está diante de você, seguindo a razão correta com seriedade, vigor, calma, sem permitir que nada mais o distraia, mas mantendo sua alma pura, como se você fosse obrigado a devolvê-la imediatamente; se você não esperasse nada, nada temendo, mas satisfeito com sua atividade atual, segundo a natureza, e com a verdade absoluta em cada palavra e som que você proferir, você vai viver feliz. E não há nenhum homem que seja capaz de impedir isso.” (III,12)

Perto do final do Livro III vem outra citação popular:

“Curto é, pois, o tempo que cada homem vive; e pequeno é o canto da terra onde vive; e curta é também a mais longa fama póstuma, e mesmo isto só continuado por uma sucessão de humanos, que morrerão muito cedo, e que não conhecem sequer a si mesmos, e menos ainda aquele que morreu há muito tempo.” (III,10)

Ou seja, ele nos lembra, de uma perspectiva mais ampla: que a busca por riqueza e fama é ridícula e sem sentido. Marco Aurélio então nos lembra (bem, a si  mesmo, já que as meditações eram seu diário pessoal) de nunca comprometer o bem comum e o que é certo para obter elogios dos outros, poder ou prazer. Segundo ele, não devemos desejar “precisar de muros e cortinas:“, ou seja, desejar qualquer coisa de que nos envergonhemos em público.

“Então, o dever de um homem é permanecer em pé, não ser mantido em pé pelos outros.” (III,5)


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Carta #68: Sobre Sabedoria e Aposentadoria

Na carta 68 Sêneca fala sobre afastar-se dos negócios e cargo públicos para perseguir o desenvolvimento espiritual.    Diz que devemos usar nosso tempo para descobrir nossas falhas intimas e as corrigir, ou ao menos,  as identificar:

“Quando você se afasta do mundo, seu objetivo é conversar consigo mesmo, não ter homens falando sobre você. Mas o que você deve falar? Faça exatamente o que as pessoas gostam de fazer quando falam sobre seus vizinhos, – fale mal de si mesmo quando está sozinho; então você vai se acostumar a falar e ouvir a verdade. Acima de tudo, no entanto, pondere sobre o que você sente ser a sua maior fraqueza.” (LXVIII, 6)

Esta carta tende ao que hoje chamamos de auto-ajuda,  mas não deixa de ser verdadeira e diz que nunca é tarde para tentar se desenvolver.  Uma pessoa como uma ferida aparente seria poupada de crítica se fizer uma pausa para o tratamento.  Sêneca diz que mesma tolerância deve ser dada às feridas da alma:

O que, então, estou fazendo com o meu tempo livre? Estou tentando curar minhas próprias feridas. Se eu lhe mostrasse um pé inchado, ou uma mão inflamada, ou alguns tendões enrugados em uma perna murcha, você me permitiria ficar quieto em um lugar e aplicar loções ao membro doente. Mas meu problema é maior do que qualquer um destes, e eu não posso mostrá-lo a você. O abcesso, ou úlcera, está profundamente dentro do meu peito. Rezem, orem, não me elogiem. (LXVIII, 8)

Imagem: Foto do altar de Domício Enobarbo no Museu do Louvre.  Mostra uma autoridade do estado sentado em uma “cadeira  curul”, símbolo de poder político.


LXVIII. Sobre Sabedoria e Aposentadoria

Saudações de Sêneca a Lucílio.

  1. Eu me rendo ao seu plano; retirar-se e esconder-se em repouso. Mas ao mesmo tempo esconda sua aposentadoria também. Ao fazer isso, você pode ter certeza de que estará seguindo o exemplo dos estoicos, se não o seu preceito. Mas você estará agindo de acordo com o seu preceito também; assim satisfará tanto a si mesmo quanto a qualquer estoico que você quiser.
  2. Nós estoicos não instamos os homens a assumir a vida pública em todos os casos, ou em todos os momentos, ou sem qualquer reserva[1]. Além disso, quando atribuímos ao nosso sábio o campo da vida pública que é digno dele, ou seja, o universo, ele não está separado da vida pública, mesmo que se retire; talvez, tenha abandonado apenas um pequeno canto e tenha passado para regiões maiores e mais vastas; e quando é posto nos céus, compreende quão humilde era o lugar em que se colocava quando sentava na Cadeira Curul[2] ou ao tribunal. Coloque isso no coração, o homem sábio nunca é mais ativo nos negócios do que quando as coisas divinas, assim como as coisas humanas, atingem seu âmbito de competência.
  3. Volto agora ao conselho que estou determinado a lhe dar, – que você mantenha sua aposentadoria em segundo plano. Não há necessidade de prender um cartaz sobre si mesmo com as palavras: “Filósofo e Quietista.” Dê ao seu propósito algum outro nome; chame-o de má saúde e fraqueza corporal, ou mera preguiça. Pois se vangloriar de nossa aposentadoria é egoísmo vazio.
  4. Certos animais escondem-se confundindo as marcas de suas pegadas na redondeza de suas tocas. Você deveria fazer o mesmo. Caso contrário, sempre haverá alguém perseguindo seus passos. Muitos homens passam por aquilo que é visível, e perscrutam coisas ocultas e dissimuladas; uma sala trancada convida o ladrão. As coisas que estão ao ar livre parecem baratas; o arrombador passa pelo que está exposto à vista. Este é o caminho do mundo, e o caminho de todos os homens ignorantes: eles desejam irromper em coisas ocultas. Portanto, é melhor não se gabar da aposentadoria.
  5. No entanto, é uma espécie de bazófia fazer muito de seu esconderijo e de sua retirada da visão dos homens. Fulano de tal retirou-se em Taranto; aquele outro homem se encerrou em Nápoles; esta terceira pessoa por muitos anos não cruzou a soleira de sua própria casa. Anunciar a aposentadoria é captar uma multidão.
  6. Quando você se afasta do mundo, seu objetivo é conversar consigo mesmo, não ter homens falando sobre você. Mas o que você deve falar? Faça exatamente o que as pessoas gostam de fazer quando falam sobre seus vizinhos, – fale mal de si mesmo quando está sozinho; então você vai se acostumar a falar e ouvir a verdade. Acima de tudo, no entanto, pondere sobre o que você sente ser a sua maior fraqueza.
  7. Cada homem conhece melhor os defeitos de seu próprio corpo. E assim se alivia o estômago com o vômito, outro o alimenta com o comer frequente, outro drena e purga seu corpo pelo jejum periódico. Aqueles cujos pés são visitados pela dor abstêm-se do vinho ou do banho. Em geral, os homens que são descuidados em outros aspectos saem de seu caminho para aliviar a doença que frequentemente os aflige. Assim é com as nossas almas; há nelas certas partes que estão, por assim dizer, na lista de doentes, e para essas partes a cura deve ser aplicada.
  8. O que, então, estou fazendo com o meu tempo livre? Estou tentando curar minhas próprias feridas. Se eu lhe mostrasse um pé inchado, ou uma mão inflamada, ou alguns tendões enrugados em uma perna murcha, você me permitiria ficar quieto em um lugar e aplicar loções ao membro doente. Mas meu problema é maior do que qualquer um destes, e eu não posso mostrá-lo a você. O abcesso, ou úlcera, está profundamente dentro do meu peito. Rezem, orem, não me elogiem, não digam: “Que grande homem, aprendeu a desprezar todas as coisas, condenando as loucuras da vida do homem, fugiu!” Não tenho condenado nada além de mim.
  9. Não há nenhuma razão pela qual você deva desejar vir a mim com objetivo de progredir. Você está enganado se você acha que vai receber qualquer ajuda vinda deste lado; não é um médico que habita aqui, mas um homem doente. Eu prefiro que você diga, ao deixar minha presença: “Eu costumava pensar que ele era um homem feliz e erudito, e tinha aguçado os ouvidos para ouvi-lo, mas tenho sido defraudado. Eu não vi nada, ouvi nada do que ansiava e do que voltei para ouvir.” Se você sentir assim, e falar assim, algum progresso foi feito. Eu prefiro que você perdoe, em vez de invejar a minha aposentadoria.
  10. Então você diz: “É a aposentadoria, Sêneca, que você está recomendando a mim? Você está cedendo sobre as máximas de Epicuro!” Eu recomendo a aposentadoria para você, mas só que você pode usá-la para atividades maiores e mais bonitas do que aquelas que você renunciou; bater nas portas arrogantes dos influentes, fazer listas alfabéticas de velhos sem filhos, exercer a mais alta autoridade na vida pública, – esse tipo de poder o expõe ao ódio, é de curta duração e, se você o classifica em seu verdadeiro valor, é de mau gosto.
  11. Um homem estará muito adiante de mim quanto à sua influência na vida pública, outro em salário como oficial do exército e na posição que resulta disto, outro na multidão de seus clientes; mas vale a pena ser superado por todos esses homens, contanto que eu mesmo possa superar a Fortuna. E eu não sou oponente digno para ela na multidão; ela tem o maior apoio.
  12. Que em dias anteriores você tivesse estado disposto para seguir este propósito! Será que não estávamos discutindo a vida feliz à vista da morte! Mas, mesmo agora, não tenhamos demora. Pois agora podemos tomar a palavra da experiência, que nos diz que há muitas coisas supérfluas e hostis; para isso deveríamos há muito tempo ter tomado a palavra da razão.
  13. Façamos o que os homens costumam fazer quando estão atrasados em começar, e desejam compensar o tempo perdido aumentando a sua velocidade – vamos aplicar o esporão. Nossa idade atual é a melhor possível para essas atividades; pois o período de ferver e espumar é agora passado. As falhas que eram descontroladas no primeiro calor da juventude estão agora enfraquecidas, e apenas mais um pouco de esforço é necessário para extingui-las.
  14. “E quando,” você pergunta, “aquilo que você não aprende até a sua partida, e como ela irá beneficiar você?” Precisamente desta maneira, que eu vou partir um homem melhor. Você não precisa pensar, no entanto, que qualquer momento da vida é mais equipado para a obtenção de uma mente sã do que aquele que conquistou a si mesmo por muitas provações e por muitos arrependimentos por erros do passado, e teve suas paixões atenuadas, atingiu um estado de saúde. Este é realmente o momento de ter adquirido este bem; aquele que alcançou a sabedoria em sua velhice, alcançou-a por seus anos.

 

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.

[1] O estoicismo pregava “cidadania mundial”, e isso foi interpretado de várias maneiras em diferentes períodos. Os professores da Grécia viram nela uma oportunidade para uma cultura mais ampla; Os romanos, uma missão mais prática, ou seja, atividade política.

[2] Cadeira curul é um tipo de cadeira famosa por seu uso tradicional na Roma Antiga e na Europa até o século XX. Em Roma, era o símbolo de poder político ou military. Foi adotada posteriormente por reis de toda a Europa.

Roma, 2772 Ab urbe condita 

Há 2772 anos nascia Roma.

Nossa homenagem aos difusores do estoicismo!

Ab urbe condita (normalmente abreviado AUC ou a.u.c.) é uma expressão latina que significa ‘desde a fundação da cidade‘. Refere-se principalmente na numeração dos anos desde a fundação de Roma, tradicionalmente fundada no ano 753 a.C.

(imagem  da Loba Capitolina, Antonio Pollaiolo,  Musei Capitolini)

12 de Abril de 65: Sêneca comete suicídio por ordem de Nero

12 de Abril, 65 A.D. Sêneca comete suicídio por ordem de Nero.

Sob a tutela de Seneca, Nero teve um bom começo como imperador. O ensaio “Da Clemência”  dedicado à Nero trata da diferença entre o tirano e o bom rei.

Contudo logo ele se tornou um tirano que rejeitou seu mestre, acusando-o de traição. O grande filósofo, portanto, não teve outra escolha senão tirar a própria vida.

Deve-se lembrar, entretanto, que o pensamento de Sêneca teve grande influência sobre Marco Aurélio, que se tornou imperador um século depois, mas foi formado de acordo com a filosofia do Estoicismo.

(imagem: tela de Manuel Domínguez Sánchez, 1871, Prado)

Marco Aurélio, 17/Março/180

Há 1839 anos, em 17 de março de 180, morria em Vindobona, atual Viena, Marco Aurélio.

Tudo o que ouvimos é uma opinião, não um fato. Tudo o que vemos é uma perspectiva, não a verdade.”

Muito pouco é necessário para fazer uma vida feliz; está tudo dentro de você, na sua maneira de pensar.”

Você tem poder sobre sua mente – não sobre eventos externos. Perceba isso, e você encontrará força.”