Para os estoicos paixão é entendida como sentimento ou emoção levados a um alto grau de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão; entre esses sentimentos, a ira, por exemplo.
Ou seja, o termo “paixão”, ao contrário do uso contemporâneo, é sempre negativo, é um vício, não virtude.
Marco Aurélio usa o termo inúmeras vezes em suas meditações, como em:
“a mente livre de paixões é uma cidadela[1] [fortaleza], pois o ser humano não tem nada mais seguro para o qual possa se refugiar e para o qual o futuro seja inexpugnável. Aquele, pois, que não viu isso é um homem ignorante; mas aquele que o viu e não rumou a esse refúgio é um infeliz.” (VIII,48)
“Pois no mesmo grau em que a mente de um homem está mais próxima da liberdade de toda a paixão, no mesmo grau também está mais próxima da força: e como o sentido da dor é uma característica da fraqueza, assim é também a raiva.“( XI, 18)
“A estupidez[2] é vil, abjeta, má, servil e exposta a muitas das paixões mais cruéis. Essas paixões, que são severas capatazes, às vezes governam em turnos e às vezes juntas, porém podem ser banidas de você pela sabedoria, que é a única liberdade real. Há apenas um caminho que leva para lá e é um caminho reto: você não se extraviará. Prossiga com passo firme e se você tiver todas as coisas sob seu controle, coloque-se sob o controle da razão, se a razão se tornar sua governante, você se tornará governador de muitos.” (XXXVII, 4)
Livros citados:
Notas:
[1] Essa passagem deu título ao excelente livro de Pierre Hadot “La citadelle intérieure. Introduction aux Pensées de Marc Aurèle”
[2] Na linguagem do estoicismo, a estupidez, “stultitia”, é a antítese da “sapientia”, sabedoria. Lembre que por ‘estupidez’ não deve entender-se meramente a ausência de conhecimentos, mas antes o estado de quem vive à margem dos princípios morais estabelecidos pela filosofia.
Mais um excelente artigo de Aldo Dinucci, falando da industria cultural e como garimpar joias culturais na imensidão de banalidades da internet. Critica também o modismo do estoicismo como autoajuda voltado ao sucesso pessoal.
“Para se tornar produto vendável e caber na diminuta caixinha de papelão do mercado, foi preciso amputar boa parte de sua proposta filosófica original. Pior: deixou de ser uma filosofia, lançou-se no lixo sua lógica, sua metafísica, sua crítica aos costumes, seu pensamento político, e foi reduzido a um prontuário de prescrições para indivíduos vitimados pela falta de perspectivas da atualidade, para os quais já se produz a literatura de autoajuda em geral. “
“Se não é possível mudar o mundo em larga escala, é sempre possível mudar o mundo no nosso entorno imediato e em nossa cabeça. “
Tive o privilégio de viver parte de minha infância e de minha adolescência em Petrópolis, entre os anos 70 e 80. Na época, era uma cidade ainda pacata, mas com tradição cultural. Havia vários sebos pela Rua do Imperador, nos quais excelentes bibliotecas de falecidos intelectuais petropolitanos podiam ser compradas a retalho. Graças a esse fato, tive acesso à grandes obra da literatura ocidental e brasileira: boas edições de obras de Homero, Virgílio, Dante, Kaváfis, Gide, Exupéry, Graciliano, Mário de Andrade, Vinicius, Jung, Platão, Lucrécio, entre outros, podiam ser compradas por uns trocados. Tive acesso assim à boa literatura, evidentemente fundamental para a minha formação. A atmosfera bucólica da cidade, o clima ameno, o casario antigo e suas montanhas repletas de florestas da Mata Atlântica de Altitude colaboraram para que eu pudesse ler e absorver essas obras.
Não havia internet, mas, pelo rádio, podíamos ouvir uma programação musical de qualidade. Havia, por exemplo, a JB FM, que transmitia músicas clássicas pela noite, em uma programação que enviavam pelo correio em um folheto aos que o requisitassem por carta. Havia também a Rádio Mec, que apresentava sempre o melhor da MPB. Por esses meios, conheci Rachmaninoff, Prokofiev, Jobim, Vinicius (de novo!), Dick Farney, Chopin, Debussy, Cartola, entre tantos outros, responsáveis por constituir, nota por nota, diversos platôs de minha alma.
Os estoicos, na Antiguidade, viviam imersos culturalmente no que havia de melhor em sua época: conheciam profundamente os poetas trágicos, sabiam de cor miríades de versos de Homero e Virgílio, além, é claro, de todo o tesouro cultural filosófico da Antiguidade. Eram intelectuais, incluindo polímatas, como Possidônio; lógicos, como Crisipo, Carnéades e Antípatro; astrônomos, como Gêmino de Rodes e Cleomedes; intelectuais multifacetados, como Sêneca.
Naqueles tempos, como em todos os tempos, havia uma cultura popular. Entre os ingredientes nada apetecíveis da cultura popular romana, estavam os jogos de gladiadores, que envolviam, como bem se sabe, grande carnificina, e eram assistidos por multidões ensandecidas. Assim, não é de estranhar que filósofos como Sêneca e Marco Aurélio repudiassem essas manifestações culturais.
Os estoicos partem da tese socrática segundo a qual a humanidade é fundamentalmente insana, porque mergulhada na ignorância. A filosofia estoica, nesse sentido, consiste em reeducar o indivíduo para que ele possa se livrar dessa herança má do senso comum, o qual está sempre repleto de equívocos sobre o que é o humano e qual é sua relação com o Cosmos. Então, não é de surpreender que os estoicos fossem críticos ferrenhos dos costumes, não tentando corrigi-los diretamente, pois isso era algo que viam como ao mesmo tempo impossível e imoral, já que eles mesmos não se viam como detentores da verdade capazes de reeducar a humanidade, transmitindo suas reflexões somente àqueles que iam às escolas de filosofia em busca de esclarecimento. Epicteto resume, em um fragmento, a missão da filosofia estoica:
“Eis nossa Luta: Enlouquecer ou não. “
Passemos, agora, à nossa época. Podemos dizer que hoje temos o predomínio da indústria cultural [1], que tem, como critério principal, além da ideologia que tentam nos impingir, o lucro. Some-se a isso que, no Brasil, atravessamos um verdadeiro processo de invasão cultural norte-americana, via internet, tv, literatura etc desde os anos 80 [2]. Isso poderia até ser bom em alguma medida se não fosse acompanhado pela destruição de nossa cultura nacional e se o que eles nos enviam fosse cultura de qualidade. Mas, claro, não é. São filmes, música e literatura sem qualquer senso estético ou autenticidade. E sequer podemos criticar essas subculturas abertamente, pois logo somos tachados de elitistas.
Coloquei em itálico no parágrafo anterior o termo critério: de fato, já se sabe que não temos mais critérios estéticos nos dias de hoje, e como poderíamos tê-los se o critério passou a ser precipuamente o lucro? Assim, vivemos o predomínio absoluto, nas artes e na mídia, do que vende mais. Isso atinge todas as áreas da cultura: música, literatura, cinema, religião e… agora também filosofia.
Como é sabido, a religião se tornou também um produto da indústria cultural, sobretudo através da teologia da prosperidade [3], que está de pleno acordo com o capitalismo e o consumismo atuais, o que explica seu grande sucesso de vendas.
Lamentavelmente, o estoicismo também virou um produto a mais da indústria cultural, vendido como panaceia contra os sofrimentos impostos pelo capitalismo tardio, enfatizando a resiliência e a luta contra o sofrimento. Para se tornar produto vendável e caber na diminuta caixinha de papelão do mercado, foi preciso amputar boa parte de sua proposta filosófica original. Pior: deixou de ser uma filosofia, lançou-se no lixo sua lógica, sua metafísica, sua crítica aos costumes, seu pensamento político, e foi reduzido a um prontuário de prescrições para indivíduos vitimados pela falta de perspectivas da atualidade, para os quais já se produz a literatura de autoajuda em geral.
Não é preciso dizer que esse tal estoicismo, produto da cultura industrial, está em completa contradição com o estoicismo originário, que se constituía como escola filosófica, investigando em detalhe todas as partes da filosofia e criando laços de amizade e amor fraternal entre seus membros.
Finalmente chego ao ponto que almejei ao começar a escrever este texto. O que fazer diante desse cenário? Ou melhor, como um estoico antigo agiria diante de uma situação como a que vivemos? Primeiro, como observei em texto anterior, um estoico antigo não tentaria mudar o mundo sozinho, pois nem se vê com tal estatura moral, nem vê isso como possível. Segundo, creio eu, buscaria selecionar cultura de qualidade para si, como de fato o faziam. Aceitar que esta seja a situação do mundo não implica que aceitemos esta situação para nós mesmos. Se não é possível mudar o mundo em larga escala, é sempre possível mudar o mundo no nosso entorno imediato e em nossa cabeça.
Assim, se a indústria cultural se me é imposta pela TV, desligo a TV. Se o jornal passa a ser suspeitoso quanto a me empurrar ideologia barata, evito lê-lo. Se a TV a cabo passa a me bombardear com filmes comerciais ruins, cancelo minha inscrição. Entrementes, me volto para os textos e para as culturas autênticas que formaram nossa civilização, como as dos gregos, dos romanos, dos orientais, dos africanos. Esses objetos culturais autênticos ainda existem e se escondem (ou antes foram abandonados) nas bibliotecas e nos museus, reais ou virtuais. Portanto, se não há mais critério de qualidade no mundo em que vivo senão aquele que a cultura industrial quer me impor, crio eu mesmo meus critérios e deixo o que a indústria cultural produz a quem interessar possa.
Efetivamente, não mudarei o mundo em larga escala com ações assim, e não o pretendo. Mas farei aquilo que os estoicos antigos almejavam: buscarei minha felicidade através de critérios escolhidos por mim mesmo, selecionando as coisas externas (que incluem livros, músicas, lugares, viagens, pessoas) de acordo com meus próprios critérios e gostos. Tenho praticado isso e isso tem me trazido grande alegria e felicidade. Afinal, a indústria cultural, apesar de poderosa financeiramente e espalhafatosa, entra em minha casa pelas estreitas portas das telas de TV, de computador e de celular. E posso fechar essas portas com apenas um dedo
P.S. Este texto é resultado de conversas minhas com Marcos Vinícios Pereira de Almeida, mestrando em filosofia pela UFG, a quem agradeço pelas conversas inspiradoras.
[1] Que se pode definir como “ramo de negócios… que se apropriou dos meios tecnológicos surgidos na virada do século XIX para o XX com objetivos não apenas de lucrar com a produção e a venda de mercadorias culturais, mas também de direcionar… o comportamento das massas…” (Rodrigo Duarte, Indústria cultural e meios de comunicação. São Paulo: Martins Fontes, 2014, p. 28-9).
[2] Quanto a isso, ver Júlia Falivene Alves, A invasão cultural norte-americana. São Paulo: Moderna, 2004.
[3] “Teologia da prosperidade (também conhecida como Evangelho da prosperidade) é uma doutrina religiosa cristã que defende que a bênção financeira é o desejo de Deus para os cristãos e que a fé, o discurso positivo e as doações para os ministérios cristãos irão sempre aumentar a riqueza material do fiel. Baseada em interpretações não-tradicionais da Bíblia, geralmente com ênfase no Livro de Malaquias, a doutrina interpreta a Bíblia como um contrato entre Deus e os humanos; se os humanos tiverem fé em Deus, Ele irá cumprir suas promessas de segurança e prosperidade. Reconhecer tais promessas como verdadeiras é percebido como um ato de fé, o que Deus irá honrar.” (Wikipedia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Teologia_da_prosperidade)
“Das coisas existentes, algumas são encargos nossos; outras não. São encargos nossos o juízo, o desejo, a repulsa –em suma: tudo quanto seja ação nossa. Não são encargos nossos o corpo, as posses, a reputação, os cargos públicos –em suma: tudo quanto não seja ação nossa. ” Manual de Epicteto [1.2]
Esta passagem, encontrada no início do Enchirídion de Epicteto, é fundamental para os ensinamentos da Filosofia Estoica. É denominada “dicotomia estoica do controle“, o princípio mais característico do estoicismo. Devemos distinguir cuidadosamente o que é “nosso encargo“, ou seja, algo sob nosso próprio poder, e o que não é. São nosso encargo nossas escolhas voluntárias, a saber, nossas ações e julgamentos, enquanto todo o resto não está sob nosso controle.
O termo “encargo” pode gerar confusão, a tradução mais comumente usada em inglês pode ajudar a compreensão: “up to you“.
Depois férias de Natal e reveillon, O Estoico volta às resenhas das cartas de Sêneca, iniciando o ano com um texto excelente.
Na carta 71 Sêneca explica a Lucílio qual deve ser o objetivo do estudante de filosofia, o que ele chama de Bem Supremo.
Diz que devemos considerar a vida como um o todo, e não suas partes isoladamente. Alerta que quem não tem um objetivo não consegue encontrar um caminho:
“A razão pela qual cometemos erros é porque consideramos as partes da vida, mas nunca a vida como um todo. O arqueiro deve saber o que ele está tentando atingir; então deve apontar e controlar a arma por sua habilidade. Nossos planos malogram porque não têm objetivo. Quando um homem não sabe a qual porto ele está indo, nenhum vento é o vento certo.” (LXXI, 2-3)
Aborda em detalhe e com exemplos o conceito estoico de indiferente, ou seja, que a maioria das coisas não tem valor em si mesmo. Ganhar ou perder uma eleição assim como participar de um banquete ou ser torturado pode ser algo honrado ou vergonhoso, dependendo das circunstâncias. Para Sêneca o Bem Supremo é a razão/virtude.
Além de falar de Catão e Cineu Pompeu, cita Sócrates:
“Portanto, a honrosa morte de Catão não foi menos boa do que sua vida honrada, já que a virtude não admite nenhum estiramento. Sócrates costumava dizer que a verdade e a virtude eram idênticas. Assim como a verdade não cresce, assim também a virtude não cresce; pois têm suas corretas proporções e são completas.” (LXXI,16)
O Bem Supremo é a virtude! e a define assim: “A virtude é o único bem, ao menos não há bem sem virtude, e a própria virtude está situada em nossa parte mais nobre, isto é, a parte racional. E o que será essa virtude? Um julgamento verdadeiro e nunca divergente.” (LXXI, 32)
Você está continuamente remetendo perguntas especiais para mim, esquecendo que um vasto trecho de mar nos separa. Como, no entanto, o valor do conselho depende principalmente do momento em que é dado, deve necessariamente resultar que, quando a minha opinião sobre certos assuntos chegar a você, a opinião oposta seja a melhor. Pois conselhos estão em conformidade com as circunstâncias; e nossas circunstâncias são carregadas ao vento, ou turbilhonadas ao vento. Consequentemente, um parecer deve ser elaborado a curto prazo; e até mesmo assim é tarde demais; deve “crescer enquanto é trabalhado”, como diz o ditado. E eu proponho mostrar como você pode descobrir o método.
Sempre que você quiser saber o que deve ser evitado ou o que deve ser buscado, considere sua relação com o Bem Supremo, com o propósito de sua vida. Pois tudo o que fazemos deve estar em harmonia com isso; nenhum homem pode pôr em marcha os detalhes a menos que já tenha colocado diante de si o objetivo principal de sua vida. O artista pode ter suas tintas todas preparadas, mas ele não pode produzir nada a menos que ele já tenha decidido o que quer pintar. A razão pela qual cometemos erros é porque consideramos as partes da vida, mas nunca a vida como um todo.
O arqueiro deve saber o que ele está tentando atingir; então deve apontar e controlar a arma por sua habilidade. Nossos planos malogram porque não têm objetivo. Quando um homem não sabe a qual porto ele está indo, nenhum vento é o vento certo. A fortuna deve necessariamente ter grande influência sobre nossas vidas, porque vivemos por sorte.
É o caso de certos homens, entretanto, que não sabem que sabem certas coisas. Assim como frequentemente procuramos aqueles que já estão ao nosso lado, também estamos aptos a esquecer que o objetivo do Bem Supremo está perto de nós. Para inferir a natureza desse Bem Supremo, não se precisa de muitas palavras ou discussões circulares; deve ser apontado com o dedo indicador, por assim dizer, e não estar dissipado em muitas partes. Pois que bem há em quebrá-lo em pequenos pedaços, quando você pode dizer: o Bem Supremo é aquilo que é honrado? Além disso (e você pode estar ainda mais surpreso com isso), o que é honroso é o único bem; todos os outros bens são impuros e degradados.
Se uma vez você se convencer disso, e se vier a amar a virtude devotadamente (porque o mero amor não é suficiente), tudo o que foi tocado pela virtude será repleto de bênção e prosperidade para você, não importa como seja considerado pelos outros. Tortura, se apenas, ao sofre-la você estiver mais calmo em mente do que seu próprio torturador; enfermidade, se você não amaldiçoar a Fortuna e não ceder à doença – em suma, todas aquelas coisas que os outros consideram como doenças tornar-se-ão manejáveis e terminarão bem, se você tiver sucesso em subir acima delas. Que isto seja claro, que não há nada de bom senão o que é honroso, e todas as dificuldades terão um rótulo com o justo nome de “bens”, uma vez que a virtude as tenha tornado honrosas.
Muitos pensam que nós estoicos estamos mantendo expectativas maiores do que a nossa sina humana admite; e eles têm o direito de pensar assim. Pois eles só têm respeito ao corpo. Mas voltemos para a alma, e logo medirão o homem pela régua de Deus. Desperte-se, ó excelente Lucílio, e abandone todo este jogo de palavras dos filósofos, que reduzem um assunto glorioso a uma questão de sílabas, e abaixam e desgastam a alma ensinando fragmentos; então você se tornará como os homens que descobriram estes preceitos, em vez daqueles que por seus ensinamentos dão o melhor para fazer a filosofia parecer difícil ao invés de grande.
Sócrates, que revogou toda a filosofia às regras de conduta e afirmou que a sabedoria suprema consistia em distinguir entre o bem e o mal, disse: “Siga estas regras, se minhas palavras fizerem sentido a você, para que você possa ser feliz; e deixe que alguns homens pensem que você é um tolo. Permita que qualquer homem que assim o deseje o insultar e menosprezar, mas se apenas a virtude mora com você, você não sofrerá nada. Se você deseja ser feliz, se você gostaria de boa-fé ser um bom homem permita que uma pessoa ou outra despreze você.” Nenhum homem pode fazer isso a menos que tenha chegado a considerar todos os bens como iguais, porque nenhum bem existe sem o que é honroso, e o que é honroso é em todos os casos igual.
Você pode dizer: “O que, então? Não há diferença entre o fato de Catão ser eleito pretor e seu fracasso nas eleições, ou se Catão é conquistado ou conquistador na frente de batalha de Farsália? E se Catão não pudesse ser derrotado, apesar de sua facção ter encontrado a derrota, não seria esse bem igual ao que teria sido dele se tivesse voltado vitorioso para sua terra natal e providenciado a paz?” Claro que seria; pois é pela mesma virtude que a fortuna maligna é superada e a boa fortuna é controlada. No entanto, a virtude não pode ser aumentada ou diminuída; sua estatura é uniforme.
“Mas,” objetará, “Cineo Pompeu perderá o seu exército, os patrícios, os mais nobres padrões da criação do Estado, e os primeiros homens do partido de Pompeu, um senado sob as armas, serão encaminhados a uma única batalha. As ruínas daquela grande oligarquia estarão espalhadas por todo o mundo, uma divisão cairá no Egito, outra na África e outra na Espanha… E o pobre Estado não terá nem o privilégio de ser arruinado de uma vez por todas!”
Sim, tudo isso pode acontecer; a familiaridade de Juba com todas as localizações de seu próprio reino pode ser inútil para ele, de nada serve a bravura resoluta de seu povo ao lutar por seu rei; mesmo os homens de Utica, esmagados por seus problemas, podem vacilar em sua lealdade; e a boa fortuna que sempre assistiu homens do nome de Cipião, pode desertar Cipião na África. Mas há muito tempo o destino fez com que Catão não encontrasse a nenhum mal.
“Ele foi conquistado apesar de tudo!” Bem, você pode incluir isso entre os “fracassos” de Catão; Catão suportará com um coração igualmente forte qualquer coisa que o frustre de sua vitória, como ele suportou aquela que o frustrou de sua posição de pretor. O dia em que perdeu a eleição, ele passou em jogo; a noite em que pretendia morrer, passou lendo. Ele considerava, sob a mesma luz, a perda de pretoriado e a perda de sua vida; ele se convenceu de que deveria suportar qualquer coisa que pudesse acontecer.
Por que ele não deveria sofrer, bravamente e calmamente, uma mudança no governo? Pois o que é livre do risco de mudança? Nem a terra, nem o céu, nem todo o tecido do nosso universo, embora sejam controlados pela mão de Deus. Não preservarão sempre sua ordem atual; serão desestabilizados em dias futuros.
Todas as coisas se movem de acordo com os tempos designados; elas estão destinadas a nascer, a crescer e a serem destruídas. As estrelas que você vê se movendo acima de nós, e esta terra aparentemente imóvel à qual nos apegamos e sobre a qual estamos posicionados, serão consumidas e deixarão de existir. Não há nada que não tenha sua velhice; os intervalos são meramente desiguais em que a Natureza envia todas essas coisas para o mesmo fim. O que quer que seja cessará de ser, e, no entanto, não perecerá, mas será transformado em seus elementos.
Para nossas mentes, este processo significa perecer, pois só vemos o que está mais próximo; nossa mente lenta, sob lealdade ao corpo, não penetra a fronteiras além. Se não fosse assim, a mente suportaria com maior coragem o seu próprio fim e o de suas posses, se ao menos pudesse esperar que a vida e a morte, como todo o universo que nos rodeia, se alterna, que tudo o que foi quebrado é reunido novamente, e que a habilidade eterna de Deus, que controla todas as coisas, está trabalhando nessa tarefa.
Portanto, o sábio dirá exatamente o que um Marco Catão diria, depois de revisar sua vida passada: “Toda a raça humana, tanto os que estão como os que virão, está condenada a morrer. Todas as cidades que tem dominado o mundo, e todos os que foram os esplêndidos ornamentos de impérios, os homens um dia perguntarão onde estão, e eles serão varridos por destruições de várias espécies, alguns serão arruinados por guerras, outros serão desperdiçados pela inatividade e pelo tipo de paz que termina na preguiça, ou por esse vício que é repleto de destruição, mesmo para poderosas dinastias, – o luxo. Todas estas planícies férteis serão enterradas por um repentino transbordamento do mar, ou pelo deslizamento de terra, à medida que o solo se instala a níveis mais baixos. Por que então eu deveria estar com raiva ou sentir tristeza, se eu anteceder a destruição geral por um pequeno intervalo de tempo?”
Que grandes almas cumpram os desejos de Deus e sofram sem hesitação o destino que a lei do universo ordena; pois a alma na morte ou é enviada para uma vida melhor, destinada a habitar com a divindade em meio a uma maior radiação e calma, ou então, pelo menos, sem sofrer nenhum dano a si mesma, ela será misturada com a natureza novamente e voltará o universo. Portanto, a honrosa morte de Catão não foi menos boa do que sua vida honrada, já que a virtude não admite nenhum estiramento. Sócrates costumava dizer que a verdade e a virtude eram idênticas. Assim como a verdade não cresce, assim também a virtude não cresce; pois têm suas corretas proporções e são completas.
Você não precisa, portanto, se perguntar se os bens são iguais, tanto aqueles que devem ser deliberadamente escolhidos, como aqueles que as circunstâncias impuseram. Pois se uma vez adotar a visão de que são desiguais, considerando, por exemplo, a resistência corajosa da tortura como entre os bens menores, você estará a incluindo entre os males também; você definirá como infeliz Sócrates em sua prisão, Catão infeliz ao reabrir suas feridas, e Régulo o mais mal condecorado de todos quando pagou o preço por manter a sua palavra, mesmo frente a seus inimigos. E, no entanto, nenhum homem, nem mesmo a pessoa mais fraca do mundo, se atreveu a manter essa opinião. Pois, embora tais pessoas neguem que um homem como Régulo seja feliz, contudo, elas também negam que ele seja miserável.
Os primeiros acadêmicos[1] admitem de fato que um homem é feliz mesmo em meio a tais torturas, mas não admitem que está completamente ou totalmente feliz. Com esta visão não podemos de modo algum concordar; pois, a menos que um homem seja feliz, não alcançou o bem supremo; e o bem que é supremo não admite um grau mais elevado, se somente a virtude existe dentro deste homem, e se a adversidade não prejudicar sua virtude, e se, embora o corpo seja ferido, a virtude permaneça ilesa. E permanece. Pois eu entendo que a virtude é corajosa e elevada, de modo que ela é despertada por qualquer coisa que a moleste.
Esse espírito, que os jovens de nobre criação frequentemente assumem, quando são tão profundamente agitados pela beleza de algum objeto honrado que desprezam todos os caprichos do acaso, é seguramente infundido em nós e comunicado pela sabedoria. A sabedoria trará a convicção de que só há um bem – o que é honroso; que não pode ser encurtado nem estendido, não mais do que a régua de um carpinteiro, com que as linhas retas são testadas, pode ser dobrada. Qualquer mudança na régua significa estragar a linha reta.
Aplicando, portanto, esta mesma figura à virtude, diremos: a virtude também é reta, e não admite dobra. O que pode ser feito mais tenso do que uma coisa que já é rígida? Tal é a virtude, que julga tudo, mas nada julga a virtude. E se esta régua, a virtude, não pode ser feita mais reta, tampouco as coisas criadas pela virtude podem ser em um caso mais retas e em outras menos. Pois elas devem corresponder necessariamente à virtude; portanto, elas são iguais.
“O quê?”, você diz, “você considera sentar-se em um banquete e se submeter a tortura igualmente bom?” Isso lhe parece surpreendente? Você pode estar ainda mais surpreso com o seguinte, – que sentar-se em um banquete é um mal, enquanto se submetido à tortura é um bem, se o primeiro ato é feito vergonhosamente, e o último de maneira honrosa. Não é o material que torna essas ações boas ou más; É a virtude. Todos os atos em que a virtude se revela são da mesma medida e valor.
Neste momento o homem que mede as almas de todos os homens pela sua própria está agitando o punho na minha cara porque eu considero que há uma paridade entre os bens envolvidos no caso de quem passa sentença honrosamente, e de quem sofre a pena honrosamente; Ou porque eu considero que há uma paridade entre os bens de quem celebra um triunfo, e de quem, não derrotado em espírito, é levado frente ao carro do vencedor. Pois tais críticos pensam que o que eles mesmos não podem fazer, não é feito; eles julgam a virtude à luz de suas próprias fraquezas.
Por que você se maravilha se é de ajuda a um homem, e em ocasiões até lhe agrada, ser queimado, ferido, morto ou preso? Para um homem luxuoso, uma vida simples é uma penalidade; para um homem preguiçoso, o trabalho é castigo; o fanfarrão tem pena do homem diligente; para os preguiçosos, os estudos são tortura. Da mesma forma, consideramos essas coisas com que todos nós somos deficientes de disposição, tão duros e além da resistência, esquecendo que tormento é para muitos homens absterem-se de beber vinho ou serem arrancados de suas camas ao amanhecer. Essas ações não são essencialmente difíceis; somos nós mesmos que somos macios e flácidos.
Devemos julgar grandes coisas com grandeza de alma; caso contrário, o que é realmente nossa culpa parece ser culpa dos outros. Assim é, que certos objetos que são perfeitamente retos, quando afundado em água aparecem ao espectador como dobrados ou quebrados[2]. Não importa apenas o que você vê, mas com que olhos você o vê; nossas almas são muito fracas de visão para perceber a verdade.
Mas dê-me um jovem imaculado e robusto; ele pronunciará mais afortunado aquele que sustenta nos ombros inflexíveis todo o peso da adversidade, aquele que se destaca superior à Fortuna. Não é motivo de admiração que alguém não se agite quando o tempo está calmo; Reserve o seu assombro para casos onde um homem mantem-se erguido quando todos os outros afundam, e mantém-se em pé quando todos os outros estão prostrados.
Que elemento do mal há na tortura e nas outras coisas que chamamos de dificuldades? Parece-me que há esse mal, que a mente afunda, se dobra e desmorona. Mas nenhuma dessas coisas pode acontecer ao sábio; Ele fica ereto sob qualquer carga. Nada pode subjugá-lo; nada que deva ser suportado o irrita. Pois ele não se queixa de ter sido atingido pelo que pode atacar qualquer homem. Ele conhece sua própria força; Ele sabe que ele nasceu para suportar cargas.
Eu não retiro o homem sábio da categoria dos homens, nem lhe nego o sentido da dor como se ele fosse uma rocha que não tem nenhum sentimento. Eu me lembro que ele é composto de duas partes: a uma parte é irracional, – é isso que pode ser mordido, queimado ou ferido; A outra parte é racional, – é isso que resiste resolutamente às opiniões, é corajosa e inconquistável. Nesta última está situado o Bem Supremo do homem. Antes que isso seja completamente alcançado, a mente vacila na incerteza; somente quando é totalmente alcançado a mente torna-se fixa e estável.
E assim, quando alguém acaba de começar, ou está a caminho das alturas e está cultivando a virtude, ou mesmo se alguém está se aproximando do bem perfeito, mas ainda não colocou o toque final sobre ele, este alguém ainda vai retroceder as vezes e haverá um certo afrouxamento do esforço mental. Porque tal homem ainda não atravessou o terreno duvidoso; Ele ainda está em lugares escorregadios. Mas o homem feliz, cuja virtude é completa, ama-se sobretudo quando sua bravura é submetida à mais severa prova, e quando ele não só, suporta, mas acolhe o que todos os outros homens consideram com medo, se é o preço que deve pagar pelo cumprimento de um dever que a honra impõe, e ele prefere que os homens digam dele: “quão nobre!” Em vez de “como tem fortuna!”
E agora cheguei ao ponto em que sua espera paciente me convoca. Você não deve pensar que nossa virtude humana transcende a natureza; o homem sábio vai tremer, vai sentir dor, vai ficar pálido, pois tudo isso são sensações do corpo. Onde, então, é a morada da angústia total, daquilo que é verdadeiramente um mal? Na outra parte de nós, sem dúvida, se é a mente que essas provações arrastam para baixo, forçam uma confissão de sua servidão, e causam a lamentar a sua existência.
O sábio, de fato, vence a Fortuna por sua virtude, mas muitos que professam a sabedoria às vezes são assustados pelas ameaças mais insubstanciais. E nesta fase é um erro de nossa parte fazer as mesmas exigências sobre o homem sábio e sobre o aprendiz. Ainda me exorto a fazer o que recomendo; mas as minhas exortações ainda não foram seguidas. E mesmo se fosse esse o caso, não deveria eu ter esses princípios tão prontos à prática, ou tão bem treinados, que eles iriam surgir em minha assistência em todas as crises.
Assim como a lã absorve certas cores imediatamente, enquanto há outras que nunca absorverá, a menos que seja embebida e mergulhada nelas muitas vezes; de modo que outros sistemas de doutrina podem ser aplicados imediatamente pela mente dos homens depois de terem sido aceitos, mas este sistema do qual falo, a não ser que tenha ido fundo e se tenha afundado há muito tempo e não tenha apenas colorido mas completamente permeado a alma, não cumpre nenhuma de suas promessas.
O assunto pode ser transmitido rapidamente e em poucas palavras: “A virtude é o único bem, ao menos não há bem sem virtude, e a própria virtude está situada em nossa parte mais nobre, isto é, a parte racional”. E o que será essa virtude? Um julgamento verdadeiro e nunca divergente. Pois dele brotarão todos os impulsos mentais, e por seu meio será esclarecida toda aparência externa que desperte nossos impulsos.
Será de acordo com este conceito julgar todas as coisas que foram coradas pela virtude como bens e como bens iguais. Os bens corporais são, com certeza, bons para o corpo; mas eles não são absolutamente bons. Haverá certamente algum valor neles; mas eles não terão mérito genuíno, pois eles serão muito diferentes; alguns serão menores, outros maiores.
E somos constrangidos a reconhecer que há grandes diferenças entre os próprios seguidores da sabedoria. Um homem já fez tantos progressos que ousou levantar os olhos e olhar a Fortuna no rosto, mas não persistentemente, pois seus olhos logo se abaixam, deslumbrados por seu esplendor irresistível; outro já progrediu tanto que é capaz de encara-la de frente, isto é, que já tenha alcançado o ápice e esteja cheio de confiança.
O que ainda não é perfeito deve necessariamente ser instável, uma vez progredindo, outra vez deslizando; e certamente escorregará para trás, a menos que continue lutando a frente; pois se um homem se afrouxa em zelo e aplicação fiel, ele deve retroceder. Ninguém pode retomar seu progresso no ponto em que parou.
Portanto, sigamos e perseveremos. Resta muito mais da estrada do que colocamos atrás de nós; mas a maior parte do progresso é o desejo de progredir. Compreendo perfeitamente o que é esta tarefa. É uma coisa que desejo, e a desejo de todo o meu coração. Eu vejo que você também foi despertado e está se apressando com grande zelo para a beleza infinita. Vamos, então, apressar; somente nestes termos a vida será uma bênção para nós; caso contrário, haverá atraso, e até mesmo atraso vergonhoso, enquanto nos ocupamos com coisas repugnantes. Vamos cuidar para que todo o tempo pertença a nós. Isso, no entanto, não pode acontecer, a menos que, em primeiro lugar, nossos próprios seres comecem a pertencer a nós.
E quando será nosso privilégio desprezar ambos os tipos de fortuna? Quando será o nosso privilégio, depois que todas as paixões forem subjugadas e trazidas sob nosso próprio controle, pronunciar as palavras “Eu conquistei”? Você me pergunta quem eu conquistei? Nem os Persas, nem os remotos Medos,[3] nem qualquer raça guerreira que se encontre além do Dahae[4]; não estes, mas a ganância, a ambição e o medo da morte que conquistou os conquistadores do mundo.
[2] Um remo submerso, apesar de reto, apresenta aparência de estar dobrado.
[3] Os Medos foram uma das tribos de origem ariana que migraram da Ásia Central para o planalto Iraniano durante a Antiguidade. No final do século VII a.C. fundaram o Império Medo centrado na cidade de Ecbátana.
“aquele que carrega armas mortais e tem intenções de roubar e matar, é um bandido antes mesmo de ter mergulhado as mãos no sangue; Sua maldade consiste e é mostrada em ação, mas não começa assim. Homens são punidos por sacrilégio, embora ninguém possa causar dano aos deuses. “
Apesar do Futebol ainda não ter sido inventado, os filósofos antigos abordaram o assunto de competição esportiva:
“Certamente, quanto maior a multidão com que nos misturamos, maior o perigo. Mas nada é tão prejudicial ao bom caráter como o hábito de frequentar os estádios [lutas de gladiadores] ; pois é lá que o vício penetra sutilmente por uma avenida de prazer.”(Sêneca, Carta VII.2)
“Do meu preceptor [eu aprendi] a não ter pertencido à facção nem dos Verdes, nem dos Azuis [corridas de cavalos], nem partidário dos Grandes-Escudos, nem dos Pequenos-Escudos [lutas de gladiadores] “(Marco Aurélio, Meditações – I.5)
“Raramente, quando a ocasião pedir, fala algo, mas não sobre coisa ordinária: nada sobre lutas de gladiadores, corridas de cavalos, nem sobre atletas, (…)– assuntos falados por toda parte” (Epiteto, Encherídion[33.2])
Não temos gladiadores hoje em dia, no entanto, essas três passagens não são sobre rejeitar o prazer oferecido pelo futebol moderno, mas, ao contrário, sobre abordá-lo da maneira correta, no sentido de que pode proporcionar não apenas entretenimento, mas também oportunidades para praticar a virtude.
Antes de eu explicar, deixe-me lembrá-lo que assistir esportes é, na melhor das hipóteses, classificado entre os indiferentes preferidos, ou seja, o tipo de coisa que não faz de você uma pessoa melhor ou pior (não gostar de futebol não faz você mais inteligente). Ou seja, a atividade é moralmente neutra e, além disso, o resultado certamente não está sob seu controle. (Lembrem do 7×1)
Então, quais virtudes podemos treinar assistindo a um jogo de futebol? Todas elas! Especialmente se for ao estádio para assistir ao vivo, ou se estiver na presença de fãs da equipe adversária. Vamos ver:
Sabedoria prática (phronesis, ou prudência): Isto é o conhecimento do que é verdadeiramente bom ou mau. Se o “meu” time vence ou perde é irrelevante, o que significa que devo aceitar qualquer resultado com equanimidade.
Temperança: Assistir apenas alguns jogos selecionados (senão gastaríamos muito do nosso tempo, que segundo Sêneca, é o único bem que nunca recebemos de volta), e participar da festa com moderação (ao contrário, digamos, de um hooligan bêbado que incomoda as outras pessoas).
Coragem: bater palmas para a equipe adversária, ou um de seus jogadores, sempre que merecerem, mesmo que seus amigos e co-fãs fiquem constrangidos com o seu comportamento.
Justiça: trate tanto os jogadores quanto os torcedores do outro time como seres humanos, membros da mesma cosmópolis, não os insulte (nem a mãe do árbitro), e, é claro, não parta para a violência.
Agora, se você me der licença, a Argentina logo vai jogar com a Croácia. Vai Croácia!!!
(imagem, escultura de Sêneca por Barron goleando os epicuristas)
“Não são eventos que incomodam as pessoas, são seus julgamentos a respeito deles.” Manual de Epicteto [5]
O que é percepção?
É como vemos e entendemos o que acontece ao nosso redor e o que decidimos que esses eventos significam. Nossas percepções podem ser como uma bola de chumbo acorrentada aos nossos pés, nos segurando e nos deixando fracos, ou podem ser uma grande fonte de força.
O que nós já aprendemos com os estoicos é que eles vêem eventos externos não como bons ou ruins, mas como indiferentes. Então não são esses eventos, porque eles são indiferentes, mas o seu próprio julgamento deles eventos é que importa.
“Se você está sofrendo por qualquer coisa externa, não é isso que te perturba, mas seu próprio julgamento sobre isso. E está em seu poder acabar com esse julgamento agora” (Meditações de Marco Aurélio)
Isso faz com que você seja responsável por sua vida. Você não controla eventos externos, mas controla como escolhe vê-los e responder a eles. E, no final, isso é tudo que importa.
“Lembre-se de que os infortúnios só podem ser previstos para o seu corpo ou sua propriedade, mas sua mente está sempre disponível para transformá-los em boa sorte, respondendo com virtude.” –Manual de Epicteto
Você sempre pode responder com virtude. Os estoicos tinham essa idéia de que você pode transformar todos os obstáculos em uma oportunidade. Marco Aurélio descreveu assim:
“O impedimento à ação promove a ação. O que fica no caminho se torna o caminho.” (Meditações de Marco Aurélio)
A chave para reconhecer essas oportunidades está na sua percepção. Como você vê as coisas é muito mais importante do que as próprias coisas. Você pode achar o bem em tudo. O estoicismo nos ensina a considerar tudo como uma oportunidade de crescimento.
“Não busques que os acontecimentos aconteçam como queres, mas quere que aconteçam como acontecem, e tua vida terá um curso sereno”.Manual de Epicteto [8.1]
Digamos que aconteceu algo que não desejamos. Agora, o que é mais fácil de mudar: nossa opinião ou o próprio evento? A resposta é óbvia. O evento está no passado e não pode ser alterado. Mas nossa opinião pode. Podemos aceitar o que aconteceu e mudar o nosso desejo de não ter acontecido.
Nietzsche, muitos séculos depois, criou a expressão perfeita para capturar essa idéia: amor fati(amor ao destino):
“Minha fórmula para a grandeza em um ser humano é amor fati: aquele não quer que nada seja diferente, nem para frente, nem para trás, nem em toda a eternidade. Não apenas suportar o que é necessário, menos ainda esconder, mas amar o acontecido”. (Nietzsche – Ecce Homo -seção ‘Por que eu sou tão inteligente’)
Os estóicos usavam uma metáfora poderosa, o cão atrelado a uma carroça:
Imagine um cão preso a uma carroça em movimento. A coleira é longa o suficiente para que o cão tenha duas opções: 1)ele pode seguir suavemente a direção da carroça, sobre a qual ele não tem controle e ao mesmo tempo aproveitar o passeio; ou 2)ele pode obstinadamente resistir a carroça com toda sua força e acabar sendo arrastado pela viagem.
Nós somos esse cachorro. Ou fazemos o melhor da viagem ou lutamos contra cada pequena decisão que o condutor faz. Nos escolhemos.
A carroça sempre se move. A mudança é inevitável. Nas palavras de Ryan Holiday, “ficar chateado com as coisas é assumir erroneamente que elas vão durar … ressentir-se da mudança é assumir erroneamente que você tem uma escolha no assunto“. (The Daily Stoic – Ryan Holiday)
Marco Aurelio escreveu “um fogo ardente faz esplendor e brilho de tudo aquilo que é jogado nele“. (Meditações – Livro X)
Seja um cão sábio e aproveite o passeio. Mesmo que o condutor escolha uma estrada rica em obstáculos.
Existe o conhecido problema da Adaptação Hedônica, a tendência observada nas pessoas para regressar rapidamente a um nível relativamente estável de felicidade apesar da ocorrência de importantes acontecimentos positivos ou negativos.
Os estoicos usavam uma ferramenta mental para evitar tal situação, “vacinando” suas mentes contra infortúnios. Eles se prepararam para coisas ruins que pudessem acontecer. Os romanos chamavam de “premeditatio malorum“. Premeditação da adversidade.
William Irvine descreve a solução como “a técnica mais valiosa no conjunto de ferramentas dos estoicos” e a chamou de “visualização negativa“:
“Os estoicos pensaram que tinham uma resposta a esta pergunta. Eles recomendaram imaginar que perdemos as coisas que valorizamos – que nossa esposa nos deixou, nosso carro foi roubado ou perdemos nosso trabalho. Fazendo isso, os estoicos pensavam, nos fariam valorizar nossa esposa, nosso carro e nosso trabalho. Esta técnica – referimos a ela como visualização negativa – foi empregada pelos estoicos desde Crísipo. É, penso eu, a técnica mais valiosa no kit de ferramentas psicológicas dos estóicos. (A Guide to the Good Life)
Tal prática traz dois benefícios:
Satisfação com o que já temos;
Preparação para adversidades futuras;
Esteja pronto para que as coisas aconteçam de forma diferente do planejado. Tenha um plano alternativo.
“Nada acontece com o homem sábio contra suas expectativas.” – Sêneca
“Eu deveria me surpreender“, pergunta Sêneca, “se os perigos que sempre vagaram sobre mim possam chegar a mim em algum momento?” (Sobre a Brevidade da Vida)
“Assolação – esse sentimento de estarmos absolutamente esmagados e arruinados por um evento – é um fator de quão pouco nós consideramos esse evento em primeiro lugar” – ( The Daily Stoic – Ryan Holiday)
O homem sábio prepara-se mentalmente. Nada pode acontecer que ele não tenha visto chegar. A premeditação da adversidade não faz com que tudo seja indolor e fácil de suportar. Mas isso nos ajuda a não entrar em pânico quando o problema acontece. Podemos enfrentar a adversidade com calma, analisá-la de forma racional e decidir tomar uma ação inteligente.
Experimente agora. O que você está planejando fazer nos próximos dias? O que poderia dar errado?
“Sobre as coisas: algumas são boas, algumas são ruins, e algumas são indiferentes. as Boas, então, são virtudes, e as coisas que participam das virtudes, as Más são contrárias, e as indiferentes são a riqueza, a saúde, a reputação”. Epiteto – Discursos (II.9)
Os estoicos distinguiam coisas como sendo “boas”, “más” e “indiferentes”.
As coisas boas incluem as virtudes cardeais sabedoria, justiça, coragem e autodisciplina. As coisas ruins incluem os opostos dessas virtudes, a saber, os quatro vícios: ignorância, injustiça, covardia e indulgência. As coisas indiferentes incluem todo o resto. São externas.
Agora, o que mais impressiona é o fato de que as coisas tidas como indiferentes pelo estoicismo são exatamente o que as pessoas hoje em dia julgam como boas ou más. No entanto, essas coisas indiferentes não ajudam nem prejudicam nosso desenvolvimento. Elas não desempenham um papel necessário à Vida Feliz. A indiferença não significa frieza. Ser indiferente às coisas indiferentes não significa não fazer diferença entre elas, mas aceitá-las como são.
Mas ser saudável é melhor do que ficar doente, certo?
Sim. Embora as coisas indiferentes não possam realmente ser “boas”, algumas são mais valiosas do que outras e preferíveis a elas. Portanto, os estóicos diferenciaram coisas indiferentes “preferidas” e “despreferidas“. É uma interpretação bastante lógica. As coisas positivas e indiferentes, como boa saúde, amizade, riqueza e boa aparência, foram classificadas como indiferentes preferenciais, enquanto seus opostos eram indiferentes despreferidos.
As pessoas sempre preferem a alegria sobre a dor, a riqueza sobre a pobreza e a boa saúde sobre a doença – então vá em frente e procure por essas coisas, mas não quando isso põe em perigo a sua integridade e virtude. Em outras palavras, é melhor suportar a dor, a pobreza ou a doença de maneira honrosa do que buscar alegria, riqueza ou saúde de forma vergonhosa.
Sêneca diz em sua carta 82:
“Eu classifico como ‘indiferente’ – ou seja, nem o bem nem o mal – a doença, a dor, a pobreza, o exílio, a morte. Nenhuma dessas coisas é intrinsecamente gloriosa; mas nada pode ser glorioso além delas. Pois não é a pobreza que louvamos, é o homem a quem a pobreza não pode humilhar ou dobrar. Nem é o exílio que louvamos, é o homem que se retira para o exílio no espírito em que teria enviado outro para o exílio. Não é a dor que louvamos, é o homem a quem a dor não coagiu. Ninguém elogia a morte, mas o homem cuja alma a morte tira antes que possa amaldiçoa-la. Todas estas coisas não são em si nem honradas nem gloriosas; mas qualquer uma delas que a virtude tem visitado e tocado é feita honrada e gloriosa pela virtude; elas se limitam ao meio, e a questão decisiva é apenas se a maldade ou a virtude tem sobrepujado sobre elas. Por exemplo, a morte no caso de Catão é gloriosa.” (Carta 82. 10-12).
O único bem é a virtude, que está em nosso encargo. O único mal é o vício, que também está em nosso encargo. Tudo o mais é indiferente porque não depende de nós. Portanto, não é o que você tem ou não tem, mas o que você faz com isso que importa. O que conta são suas ações. É tudo o que você controla.
(imagem A escolha entre a Virtude e o Vício por Frans Francken)