Resenha: Meditações, Livro III

No Livro III o foco está nos conceitos de Vida, Morte e Divindade.  Devemos fazer o certo não nos importar com riqueza, fama e opinião dos outros

“Hipócrates, depois de curar muitas doenças, ele próprio adoeceu e morreu… Alexandre e Pompeu, e Caio César, depois de tantas vezes destruírem completamente cidades inteiras,  eles também finalmente se retiraram da vida… Você embarcou, fez a viagem, veio à praia; saia. Se de fato há outra vida, não há falta de deuses, nem mesmo ali; mas se a um estado sem sensação, você deixará de ser dominado por dores e prazeres, e de ser um escravo do corpo, que é tão inferior quanto aquele que o serve é superior.” (III,3)

Marco Aurélio, assim como Epiteto, muitas vezes se refere a deuses, e contempla a possibilidade de que não há nenhum, que morremos e entramos em um estado “sem sensação”. E, no entanto, isso não muda as coisas na perspectiva estoica:

“Se você trabalhar naquilo que está diante de você, seguindo a razão correta com seriedade, vigor, calma, sem permitir que nada mais o distraia, mas mantendo sua alma pura, como se você fosse obrigado a devolvê-la imediatamente; se você não esperasse nada, nada temendo, mas satisfeito com sua atividade atual, segundo a natureza, e com a verdade absoluta em cada palavra e som que você proferir, você vai viver feliz. E não há nenhum homem que seja capaz de impedir isso.” (III,12)

Perto do final do Livro III vem outra citação popular:

“Curto é, pois, o tempo que cada homem vive; e pequeno é o canto da terra onde vive; e curta é também a mais longa fama póstuma, e mesmo isto só continuado por uma sucessão de humanos, que morrerão muito cedo, e que não conhecem sequer a si mesmos, e menos ainda aquele que morreu há muito tempo.” (III,10)

Ou seja, ele nos lembra, de uma perspectiva mais ampla: que a busca por riqueza e fama é ridícula e sem sentido. Marco Aurélio então nos lembra (bem, a si  mesmo, já que as meditações eram seu diário pessoal) de nunca comprometer o bem comum e o que é certo para obter elogios dos outros, poder ou prazer. Segundo ele, não devemos desejar “precisar de muros e cortinas:“, ou seja, desejar qualquer coisa de que nos envergonhemos em público.

“Então, o dever de um homem é permanecer em pé, não ser mantido em pé pelos outros.” (III,5)


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Resenha: Meditações, Livros I e II

Nos próximos dias farei uma série de posts comentando as Meditações de Marco Aurélio.

É provavelmente o clássico estoico mais lido de todos. Como é sabido, foi escrito como um diário pessoal do imperador romano e, portanto, não foi escrito para publicação. Isso explica a estranha estrutura, bem como o estilo.

Hoje começamos com os dois primeiros livros.

Livro I

O primeiro livro das Meditações é essencialmente uma lista de pessoas a quem Marcos agradece, cada uma acompanhada de uma explicação sobre o motivo de sua gratidão. É, naturalmente, uma lista esclarecedora. Termina por agradecer aos deuses (ou Fortuna) por lhe terem dado muitas coisas boas em sua vida, incluindo bons pais, bons professores e bons amigos.

A impressão geral que se tem do Livro I é de um homem humilde, apesar de sua posição muito poderosa, alguém que está pronto para aprender e tenta seriamente fazer o seu melhor na vida para melhorar a si mesmo e ajudar os outros.

Livro II

O segundo livro começa com uma de suas passagens mais citadas:

“Comece a manhã dizendo a si mesmo, eu me encontrarei com o intrometido, o ingrato, arrogante, enganador, invejoso, anti-social. Tudo isso acontece com eles por causa de sua ignorância do que é bom e mau.” (II,1)

Outra preciosidade vem no parágrafo 8, onde ele diz: “O fracasso em observar o que está na mente de outro raramente fez um homem infeliz; mas aqueles que não observam os movimentos de suas próprias mentes devem ser necessariamente infelizes.”

Mais ao final, parágrafo 11, Marco Aurélio reafirma a doutrina estoica sobre as coisas indiferentes:

“a morte, e a vida, a honra e a desonra, a dor e o prazer, todas essas coisas acontecem igualmente aos homens bons e maus, sendo coisas que não nos tornam nem melhores nem piores. Portanto, não são nem boas nem ruins.” (II,11)

Conclui com sua definição de filosofia, que ele diz ser o único guia para os homens:

“consiste em manter o daemon dentro de um homem livre de violência e ileso, superior às dores e prazeres, não fazendo nada sem um propósito, nem ainda falsamente e com hipocrisia, não sentindo a necessidade de outro homem fazer ou não fazer nada; e além disso, aceitando tudo o que acontece, e, finalmente, esperando a morte com uma mente alegre”

 


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Livro: Meditações de Marco Aurélio

Meditações foi escrito em grego Grego Koiné, intitulado Τὰ εἰς ἑαυτόν, literalmente “coisas para eu próprio”, é uma série de 12 livros em que Marco Aurélio registra suas notas pessoais sobre o estoicismo como fonte de sua própria orientação e auto-aperfeiçoamento. Marco Aurélio enfrentava desafios, conspirações e obstáculos durante o dia, e à noite ele se colocava em profunda reflexão e escrevia suas notas pessoais antes de dormir.

É improvável que o imperador tenha pretendido que os escritos fossem publicados e a obra não tem título oficial, “Meditações” é um dos vários títulos comumente atribuídos à coleção. Esses escritos assumem a forma de citações de tamanho variável, de uma frase a parágrafos longos.

O estilo de escrita que permeia o texto é simplificado, direto e refletindo a perspectiva estoica de Marco no próprio texto. Marco, no texto, não se enxerga como pertencente à realeza, mas como um homem entre outros homens, o que permite ao leitor relacionar-se com sua sabedoria.

Um tema central das meditações é a importância de analisar o julgamento de si mesmo e dos outros em uma perspectiva cósmica. A aceitação da morte e o debate sobre a existência ou não de Deus permeia todo o livro.

Suas ideias estoicas envolvem evitar a indulgência sensorial, uma habilidade que segundo ele libertará o homem das dores e prazeres do mundo material. Ele afirma que a única maneira que um homem pode ser prejudicado por outros é permitir que sua reação o domine, tudo é opinião. Racionalidade e lucidez permitem que se viva em harmonia com o universo. Marco Aurélio frequentemente expressa uma atitude do que hoje poderíamos chamar de agnóstica, implicando ou mesmo afirmando diretamente que não importa se alguém acredita na providência divina (para os estoicos Deus é a própria natureza) ou em apenas átomos e caos (visão epicureana, ateísta).

As ideias e princípios recorrentes expressadas por por Marco Aurélio são aquelas que ele acreditava importante para si mesmo como homem e como imperador. É provavelmente o clássico estoico mais lido de todos.

As lições, percepções e perspectivas contidas neste notável trabalho são tão relevantes hoje quanto eram há dois milênios atrás.

Trechos:

“a morte, e a vida, a honra e a desonra, a dor e o prazer, todas essas coisas acontecem igualmente aos homens bons e maus, sendo coisas que não nos tornam nem melhores nem piores. Portanto, não são nem boas nem más.” (II,11)

“Retire a sua opinião, e então é tirada a reclamação: ‘Fui prejudicado’. Tira a queixa: ‘Fui ferido’, e o dano é tirado.” (IV,7)

“Não faça como se você fosse viver dez mil anos. A morte paira sobre você. Enquanto vive, enquanto está em seu poder, seja bom.” (IV,17)

“Tudo é efêmero, tanto quem se lembra como o que é lembrado”. (IV,35)

“É uma coisa ridícula para um homem não fugir da sua própria maldade, que é realmente possível, mas tentar fugir da maldade de outros homens, que é impossível.” (VII, 71)

“Se um homem está equivocado, instrua-o gentilmente e mostre-lhe seu erro. Mas se não for capaz, culpe-se a si mesmo, ou não culpe nem a si mesmo.” (X,4)

“Não fale mais sobre como o homem bom deve ser, mas seja um bom homem”(X,16)

“Se não é certo, não o faça: se não é verdade, não o diga”(XII,17)

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Livro: Sobre os Benefícios (De Beneficiis)

Sobre os Benefícios (De Beneficiis), uma das obras do período final da vida de Sêneca, diz respeito à concessão e recepção de presentes e favores dentro da sociedade, e examina a natureza complexa e o papel da gratidão no contexto da ética estoica. A obra é dividida em sete livros subdivididos em várias seções, contendo exortações que o filósofo faz ao seu amigo Aebutius Liberalis. (também citado na carta a Lucílio, XCI)

Trata-se de um ensaio sobre a gratidão. Sêneca explica porque considera a troca de benefícios como o principal vínculo da sociedade humana e receita preceitos e responde perguntas como: O que devemos em troca de um benefício recebido – Que tipos de benefícios devem ser concedidos, e de que maneira  – A ingratidão deveria ser punida por lei? – Um escravo pode conceder um benefício? – Como escolher o homem a ser beneficiado – Como se deve tolerar os ingratos.

Sêneca usa das situações cotidianas e hábitos comuns dos romanos para facilitar a compreensão do estoicismo o que torna a leitura duplamente interessante: não só pela filosofia mas também porque permite que conheçamos a cultura e sociedade do império Romano.

A ética de Sêneca é sempre pura, e dele obtemos a visão das doutrinas dos filósofos gregos, Zenão, Epicuro, Crisipo e Cleantes, cujas obras se perderam, mas as quais temos acesso, em segunda mão, por este livro:

Cleantes fala: “aquele que carrega armas mortais e tem intenções de roubar e matar, é um bandido antes mesmo de ter mergulhado as mãos no sangue; Sua maldade consiste e é mostrada em ação, mas não começa assim. Homens são punidos por sacrilégio, embora ninguém possa causar dano aos deuses.” (V, 14)

Embora De Beneficiis seja tipicamente traduzido como Sobre os Benefícios, a palavra Beneficiis é derivada da palavra latina beneficium, que significa um favor, benefício, serviço ou bondade.  Outras traduções do título para a língua inglesa incluem: Sobre presentes e serviços; Sobre a concessão e recepção de favores; Sobre favores; e Sobre obras de caridade.

A primeira frase da obra diz:

Entre as numerosas falhas daqueles que passam suas vidas imprudentemente e sem a devida reflexão, meu bom amigo Liberalis, devo dizer que dificilmente alguém é tão prejudicial à sociedade, quanto aquele que não sabe como dar ou como receber um benefício. (I,1)

Trechos:

Há uma grande diferença entre o assunto de um benefício e o benefício em si. Portanto, nem o ouro nem a prata, nem qualquer das coisas mais altamente estimadas, são benefícios, mas o benefício está na boa vontade daquele que os dá. (I,5)

Não é, portanto, a coisa que é feita ou dada, mas o espírito em que é feito ou dado, que deve ser considerado, porque existe um benefício, não naquilo que é feito ou dado, mas na mente da pessoa fazedora ou doadora. (I,6)

No entanto, os homens concedem benefícios a seus reis e generais; portanto, os escravos podem conceder benefícios aos seus mestres. Um escravo pode ser justo, corajoso e magnânimo; ele pode, portanto, conceder um benefício, pois esta é também o papel de um homem virtuoso. (III, 18)

Então, se você fala de natureza, destino ou fortuna, estes são todos os nomes do mesmo Deus, usando seu poder de maneiras diferentes. Assim também a justiça, a honestidade, a discrição, a coragem, a frugalidade, são todas as boas qualidades de uma e da mesma mente; (IV,8)

Se você se examinar cuidadosamente, talvez encontre o vício de que se queixa no seu próprio peito; você está errado ao se irritar com uma falha generalizada, e tolo ao mesmo tempo, pois ela também é sua; você deve perdoar os outros, para que você mesmo possa ser absolvido. (VII, 28)

Sêneca, assim como Cícero, segue uma linhagem terapêutica, pois enxerga a filosofia como um remédio para a alma.

Imagem: Afresco de Pompeia,  Museo Archeologico Nazionale di Napoli

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A Tríade do Guerreiro Estoico

A Tríade do Guerreiro Estoico

Recentemente recebi recomendação do texto do almirante James Stockdale A Tríade do Guerreiro Estoico” em tradução de  Aldo Dinucci e Alexandre Cabeceiras. (disponível em https://goo.gl/5pMCtK, texto de Stockdale começa na página 9)

Stockdale foi o mais alto oficial americano aprisionado na guerra do Vietnã. Foi mantido como prisioneiro de guerra em Hoa Lo (o infame “Hanoi Hilton”) por sete anos e meio. Como oficial sênior da Marinha, ele foi um dos principais organizadores da resistência dos prisioneiros. Torturado rotineiramente e sem atenção médica para a perna severamente machucada, Stockdale criou e aplicou um código de conduta para todos os prisioneiros.  Quando foi informado por seus captores que ele seria exibido em público, Stockdale cortou a própria testa com uma navalha para se desfigurar propositalmente, para que seus captores não o pudessem usar como propaganda.

Nesse texto ele narra como usou o estoicismo, as teses de Solzhenitsyn e principalmente os ensinamentos de Epicteto para sobreviver e manter a lucidez todos os anos de prisão:

“Gostaria de dizer de imediato que li e estudei as Diatribes pelo menos 10 vezes, sem mencionar minhas incursões pelo Encheirídion, e jamais achei uma simples inconsistência no código de princípios de Epicteto. É um pacote fechado, livre de contradições. O velho cara pode não instigá-los, mas se ele não o faz, não o censurem por incoerência; Epicteto não tem problemas com a lógica.”

Manteve uma atitude estoica frente a seus torturadores, como podemos ver no trecho que narra sua relação com o principal deles:

Mas nenhum de nós jamais quebrou o código de uma invariavelmente estrita relação na “linha do dever”. Ele nunca me enganou, sempre jogou corretamente, e jamais pedi misericórdia. Eu admirei aquilo nele, e poderia dizer que ele admirou isso em mim. E quando as pessoas dizem: “Ele era um torturador, você não o odeia?” Eu digo, como Solzehnitsyn, para o espanto daqueles que estão à minha volta: “Não, ele era um bom soldado, nunca ultrapassou sua linha do dever”.

Ensina que aprender a comandar suas emoções é fortalecedor e libertador:

Quando se chega nesse ponto, o capítulo 30 do Encheirídion se aplica: “Se não quiseres, outro não te causará dano”. E por “dano” Epicteto quer dizer, como os estoicos sempre o fizeram, danificar seu eu interior, seu auto-respeito, e sua obrigação de ser leal. Podem quebrar seu braço ou sua perna, mas não se preocupem. Eles sararão.

Conclui com o que chama de  Tríade do Guerreiro Estoico:

“Tranquilidade, Destemor e Liberdade”.

Estátua de  James Stockdale, US Naval Academy, Annapolis, Maryland

Livro: Da Clemência ( Tratado sobre a Clemência)

De Clementia, Da Clemência, também traduzido como Tratado sobre a Clemência, é um ensaio de originalmente três volumes dos quais apenas o primeiro e parte do segundo sobreviveram. Foi escrito em 55-56 d.C. por Sêneca, dedicado ao imperador Nero no seu primeiro (ou segundo) ano de reinado.

No De Clementia Sêneca desenvolve suas reflexões sobre o poder do estado e sobre a diferença entre o tirano e o bom rei. Traça a imagem de um governante que reina, como representante dos deuses. Explica que o poder absoluto pode ser legitimado e justificado pela prática da clemência, mantendo assim a ordem e organizando um consenso entre os homens. Ao ser clemente, ao ser virtuoso, o imperador se torna útil ao bem público, se porta segundo à Natureza, se conforma ao Logos, à Fortuna.

Na obra vemos como a clemência deve ser exercitada principalmente por aqueles que podem socialmente exercer poder sobre outros: príncipes, professores, militares, pais, considerando que o dano causado por um erro de julgamento por estes, quando afetados por alguma paixão, será profundamente danoso para quem recebe a punição e para quem a ordena. Para o príncipe, a prática da clemência, além de evitar a formação de oposições, de legitimar seu poder e de lhe garantir direito de sucessão, fornece estabilidade e segurança no poder. Enquanto o tirano, o mau imperador é perseguido e vive sem tranquilidade, o rei-filosofo, o bom e clemente imperador vive em paz, pois conta com o amor e não com o temor dos súditos:

“… ser poderoso apenas para o mal é o poder de uma pestilência. A grandeza do homem repousa sobre um alicerce seguro, a quem todos os homens sabem estar tanto do lado deles quanto acima deles, de cujo cuidado vigilante pela segurança de cada um e de todos eles recebem provas diárias, aquele cuja presença não os faz fugirem aterrorizados, como se algum animal perigoso e malévolo tivesse surgido de seu covil, mas os reunissem para ele como fariam com o brilho do sol. Eles estão perfeitamente prontos para atirar-se nas espadas dos conspiradores em sua defesa, para oferecer seus corpos se seu único caminho para a segurança deva ser formado por cadáveres: eles protegem seu sono em vigílias noturnas, eles o cercam e o defendem de todos os lados, e expõem-se aos perigos que o ameaçam.”(I,III,3)

“Clemência, portanto, como eu disse antes, naturalmente se adapta a toda a humanidade, mas mais especialmente aos governantes, porque no caso deles há mais para se salvar, e isso é exibido em uma escala maior. Crueldade em um homem privado pode causar muito pouco dano; mas a ferocidade dos príncipes é guerra.” (I,V,2)

O contraste instrucional entre o bom governante e o tirano é feito inicialmente de forma teórica, passando então para exemplos de governantes tiranos, como Sulla e Calígula servindo de advertência e Augusto como exemplo a ser seguido. Uma ilustração extensa da clemência de Augusto com o rebelde Cinna ao lado de um exemplo da própria vida de Nero pretende encorajar o jovem imperador a também mostrar clemência. (Livro I, capítulos IX-XVI). Sêneca afirma que excesso de punição é ruim para a moral da nação:

“Uma proposta foi feita uma vez no Senado para distinguir escravos de homens livres por suas roupas: foi então descoberto quão perigoso seria se nossos escravos pudessem contar seus números. Esteja certo de que a mesma coisa seria o caso se nenhuma ofensa fosse perdoada: descobrir-se-á rapidamente até que ponto o número de homens maus excede o dos bons”. (I, XXIV, 1)

No Livro II Sêneca relembra a Nero um episódio em que este havia demostrado clemência e o com isso atingido seus objetivos e demonstrado clareza de raciocínio e bondade. Na sequência explana que a Clemência se trata de uma virtude que requer equilíbrio na sua aplicação: não é oportuno ter uma clemência promíscua e banal, nem uma clemência inacessível, pois tanto é cruel perdoar a todos quanto a ninguém.

São quatro as definições da clementia senequiana: (II,III,2-3)

  • “Clemência é a moderação de espírito humano no desempenho do poder de castigar”;
  • “A brandura do superior em face do inferior, quando da aplicação da pena”;
  • “Inclinação da mente para o abrandamento no ato de impor um castigo”;
  • ” … a clemência é a moderação que retira alguma coisa de uma punição merecida e devida”.

Sêneca considera a misericórdia um vício, e a define como sendo a corrupção da virtude da clemência:

“Agora, cabe investigar o que é misericórdia. Muitos que a exaltam como virtude e denominam a pessoa boa de misericordiosa. Ora, esta é um vício de alma. Ficou estabelecido, acima, o que deve ser conceituado acerca da severidade e da clemência. Sob a máscara de severidade podemos decair na crueldade enquanto sob a aparência de clemência cair para a misericórdia”. (II,IV,4)

“O perdão é a remissão de uma punição merecida; Um homem concede perdão a aquele a quem ele deveria punir: agora o homem sábio não faz nada que não deva fazer, e não omite nada que deva fazer: ele não remete, portanto, nenhuma punição que deva proferir. “(II,VII,1-2)

Portanto, a clemência estaria mais próxima de uma correção da lei cuja universalidade a faz falha. Seria uma espécie de justiça exercida por uma instância superior, de caráter humanitário, que ao soberano permite sobrepor-se às leis escritas pelos homens.

Esta obra influenciou pensadores importantes da Idade Média e do Renascimento. Um exemplo é o Reformador Francês João Calvino. Pouco depois de terminar seus estudos de direito, o jovem João Calvino escreveu seu primeiro livro, um comentário sobre De Clementia que consiste principalmente de notas filológicas intercaladas com impressões sobre o estilo e as ideias de Sêneca. Em sua obra Institutas da Religião Cristã, Calvino aborda o papel das autoridades civis na punição e a importância retomando conceitos da obra.

Infelizmente o ensaio nos chegou incompleto, de acordo com o texto tradicional, o texto deve ter sido escrito em três livros. Das três partes, os manuscritos oferecem somente o livro I e os sete primeiros capítulos do livro II. O livro III está totalmente perdido. Aliás, não se sabe, com toda a certeza, se parte da obra se perdeu ou se Sêneca jamais a concluiu. Do livro I, temos o texto completo e, o tema. Do livro II, o sumário anuncia que tratará da natureza da clemência e dos sinais que a diferenciam dos vícios. Mesmo inacabado, o assunto e o sumário conferem. O livro III, ainda segundo o sumário, tratará de ensinar, através de conselhos práticos, como se pode levar o espírito humano para o exercício da clemência. Deste livro nada restou.

A obra resume o conceito de poder segundo a filosofia estoica: a autoridade aristocrática que domina o povo, retendo suas tendências anárquicas, contribuindo para a ordem e desenvolvimento, provém de sua própria grandeza e poder, que, por sua vez, pertencem aos deuses os quais o soberano representa.

(imagem Relevo do monumento a Marco Aurélio, Clemência aos suplicantes bárbaros , Museu Capitolino, Roma, Itália)

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Livro: A Vida Feliz (De Vita Beata)

O diálogo A Vida Feliz foi escrito por volta do ano 58 dC., destinado ao seu irmão mais velho, Gálio.

A principal coisa a entender sobre o texto é o próprio título: ‘Feliz‘ aqui não tem a conotação moderna de se sentir bem, mas é o equivalente da palavra grega eudaimonia, que é melhor compreendida como uma vida digna de ser vivida, um estado de plenitude do ser. Para Sêneca e para os estoicos, a única vida que vale a pena ser vivida é aquela de retidão moral, o tipo de existência à qual olhamos no final e podemos dizer honestamente que não nos envergonhamos.

Logo no primeiro parágrafo Sêneca dá a linha da argumentação estoica: Não devemos ter a felicidade como objetivo: “não é fácil alcançar a felicidade já que quanto mais avidamente um homem se esforça para alcançá-la mais ele se afasta”.(I,1) A solução é ter como objetivo a virtude. A felicidade será consequência.

Sêneca faz grande oposição ao epicurismo, corrente filosófica que valoriza o prazer como fonte de felicidade, como vemos: “Você se dedica aos prazeres, eu os controlo; você se entrega ao prazer, eu o uso; você pensa que é o bem maior, eu nem penso que seja bom: por prazer não faço nada, você faz tudo.”  (X, 3 ).

No capítulo XV, Sêneca explica por que não se pode simplesmente associar a virtude ao prazer. O problema é que, mais cedo ou mais tarde, o prazer o levará a territórios não virtuosos: “Quem, por outro lado, forma uma aliança, entre a virtude e o prazer, obstrui qualquer força que uma possa possuir pela fraqueza da outra, e envia liberdade sob o jugo, pois a liberdade só pode permanece inconquistável enquanto não sabe nada mais valioso do que ela mesma: pois começa a precisar da ajuda da Fortuna, o que é a mais completa escravidão: sua vida torna-se ansiosa, cheia de suspeitas, tímida, temerosa de acidentes, esperando em agonia por momentos críticos. Você não oferece à virtude uma base sólida e imóvel se você a colocar sobre o que é instável: e o que pode ser tão instável quanto a dependência do mero acaso e as vicissitudes do corpo e daquelas coisas que agem sobre o corpo?”. (XV, 3 )

O livro fornece uma lista de regras pelas quais Sêneca está tentando viver. Vale a pena considerá-las na íntegra:

• Eu vou encarar a morte ou a vida a mesma expressão de semblante;
• Eu desprezarei as riquezas quando as tiver tanto quanto quando não as tiver;
• Verei todas as terras como se pertencessem a mim, e as minhas terras como se pertencessem a toda a humanidade;
• Seja o que for que eu possua, eu não vou acumulá-lo avidamente nem o desperdiçar de forma imprudente;
• Não farei nada por causa da opinião pública, mas tudo por causa da consciência;
• Ao comer e beber, meu objetivo é extinguir os desejos da natureza, não encher e esvaziar minha barriga;
• Eu serei agradável com meus amigos, gentil e suave com meus inimigos;
• Sempre que a Natureza exigir minha vida, ou a razão me pedir que a rejeite, vou desistir desta vida, chamando a todos para testemunhar que amei uma boa consciência e boas atividades;

Neste ensaio Sêneca aprofunda a explicação sobre os indiferentes preferidos e despreferidos. E faz uma longa exposição ( capítulos 21 a 26) da relação entre riqueza, virtude e felicidade:

“Portanto, não cometa nenhum erro: as riquezas pertencem à classe das coisas desejáveis. “Por que então”, você diz, “você ri de mim, já que você as coloca na mesma posição que eu?” 5. Você deseja saber quão diferente é a posição em que as colocamos? Se as minhas riquezas me deixarem, não levarão consigo nada além de si mesmas: já vocês ficarão desnorteadas e parecerão ficar fora de si se as perderem: comigo as riquezas ocupam um certo lugar, mas com você elas ocupam lugar mais alto de todos. Em suma, minhas riquezas pertencem a mim, você pertence às suas riquezas.”  (XXII, 4.5)

(imagem  Herbert James DraperUlises e as Sereias)

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Livro: Sobre a Ira

O maior remédio para a ira é o adiamento” (III.12)

O ensaio Sobre a Ira é dirigido ao irmão mais velho de Sêneca, Gálio. Embora decomposto em três livros, o texto é efetivamente dividido em duas partes.

A primeira parte (I-II.17) trata de questões teóricas, enquanto a segunda parte (II.18 –final) oferece conselhos terapêuticos. A primeira parte começa com um preâmbulo sobre os horrores da ira, seguidos por suas definições. Continua com questões como se a ira é natural, se pode ser moderada, se é involuntária e se pode ser completamente apagada. Sêneca defende a tese – contrária à de outros filósofos da Antiguidade, como Aristóteles, de que a ira sempre é prejudicial. Segundo o romano, um grande homem não deve irar-se nunca e, quando não for possível reprimir a ira, ele deve tentar se acalmar o mais cedo possível.

“Nenhum homem se torna mais corajoso por meio da ira, exceto alguém que, sem ira, não teria sido corajoso: a ira, portanto, não vem para ajudar a coragem, mas para tomar seu lugar” (I.13)

“Nada se convem àquele que inflige punição menos do que a ira, porque a punição tem tanto mais poder de reforma, se a sentença for pronunciada com julgamento deliberado. É por isso que Sócrates disse ao escravo: “Eu surraria você, se não estivesse com ira“. Ele adiou a correção do escravo para uma oportunidade em que estivesse mais calmo; no momento, ele se repreendeu. Quem pode se gabar de ter suas paixões sob controle, quando Sócrates não ousou confiar em si mesmo à sua ira? ” (I.15)

A segunda parte (Livro II.18 em diante) começa com conselhos sobre como evitar a ira e como isso pode ser ensinado a crianças e adultos. Seguido então por vários trechos de conselhos sobre como a ira pode ser adiada ou extinta, e muitos casos reais são dados de exemplos a serem imitados ou evitados. O trabalho conclui com algumas dicas sobre como acalmar outras pessoas, seguido de um resumo da obra.

“Outros vícios afetam nosso julgamento, a ira afeta nossa sanidade: outros vêm em ataques leves e crescem despercebidos, mas as mentes dos homens mergulham abruptamente em ira. Não há paixão mais frenética, mais destrutiva para si mesma; é arrogante se for bem-sucedida e frenética se falhar. Mesmo quando derrotada, ela não se cansa, mas se o acaso coloca seu inimigo além de seu alcance, ela volta seus dentes contra si mesmo.” (III.1)

“Que nada lhe seja permitido enquanto estiver irado. Por que razão? Porque irá querer que tudo lhe seja permitido.” (III.12)

(Imagem busto “Alma danada”, por Gian Lorenzo BerniniPalazzo di Spagna, Roma)


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Livro da Montecristo Editora

Consolação a Minha Mãe Hélvia

No ano 41, Sêneca foi condenado ao exílio pelo imperador Cláudio por um alegado caso com a irmã do imperador Calígula. A acusação provavelmente foi inventada por uma vingança pessoal. Pouco antes ele havia sido condenado à morte e posteriormente perdoado pelo anterior imperador, o louco Calígula. Do exílio ele escreveu uma de suas obras mais extraordinárias – a carta Consolação a Minha Mãe Hélvia.

Hélvia era uma mulher cuja vida tinha sido marcada por uma perda inimaginável – sua própria mãe havia morrido enquanto ela a nascera, e ela enterrou seu marido, seu tio amado e três de seus netos. Vinte dias depois que um de seus netos – o próprio filho de Sêneca – morrera em seus braços, Hélvia recebeu notícias de que Sêneca fora levado para a Córsega, condenado à vida no exílio.

Em vez de meras palavras, Sêneca produz uma obra-prima retórica, trazendo a essência da filosofia do Estoicismo, com partes iguais de lógica e estilo literário. “Todas as suas dores foram desperdiçadas se você ainda não aprendeu a sofrer“.

Sêneca faz uma sólida defesa do mecanismo de auto-proteção mais poderoso da vida – a disciplina de não tomar nada por certo:

Nunca me entreguei à fortuna, mesmo quando parecia que estava em paz comigo; todos os favores, dos quais muito generosamente me cercava (riquezas, cargos, prestígio), coloquei-os em tal lugar de onde a mesma fortuna pudesse retomá-los, sem me aborrecer. Deixei sempre grande distância entre mim e eles: tirou-me os favores, portanto, não os arrancou. A fortuna contrária não diminui senão os homens que se deixaram enganar pela prosperidade.

Os homens que se agarram a seus presentes como a coisas das quais tem perpétua propriedade, e que por eles querem ser invejados pelos outros, jazem prostrados e aflitos, quando os deleites falsos e fugazes abandonam sua alma vil e pueril, que ignora qualquer prazer real; mas quem na prosperidade não se orgulhou, não se abala se as coisas mudam.

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