Estoicismo no Tempo da Peste: Marco Aurélio e a peste Antonina

Livro - meditacoes IV

Marco Aurélio faleceu há 1840 anos, em 17 de março de 180, durante uma expedição contra os marcomanos em Vindobona (atual Viena). Suas cinzas foram trazidas para Roma e depositadas no mausoléu de Adriano. Ele foi vítima da Peste Antonina que devastou a população do Império Romano, causando a morte de cinco milhões de pessoas, quase 5% da população do império.

“Em meados do século II d.C. a prosperidade comercial e financeira do Império Romano era formidável e quando Antonino Pio morreu, em 161, o superávit financeiro deixado para o seu sucessor, Marco Aurélio, era de 2,7 bilhões de sestércios. A crise que incapacitou o Império Romano no século II d.C. e feriu fatalmente sua supremacia não foi causada por um inimigo humano, mas por um vírus microscópico e legal. A ameaça invisível teve origem na Ásia Central, onde foi liberada na população em expansão no Mundo Antigo. Quando a pandemia chegou ao Oriente distante no ano de 161 d.C., começou a infligir mortes pavorosas na população do Império Han. Nas fronteiras militares, as forças chinesas perderam entre 30% e 40% de seus efetivos, com os soldados ou mortos ou debilitados pelos primeiros surtos mortais da infecção.

O vírus levou a mesma devastação às fortificadas fronteiras romanas e impôs maiores fatalidades entre as legiões do que qualquer horda bárbara pudesse desejar alcançar. A pandemia também espalhou a infecção através do núcleo mediterrâneo do império, transmitida nos bazares romanos lotados de pessoas conduzindo seus negócios. Pela primeira vez, desde a época de Augusto, houve um grave declínio nas finanças do Estado” (Roma e Oriente Distante, Raoul MacLaughlin)

Marco Aurélio conheceu a morte de perto, tanto em batalha como em casa, tendo perdido 6 dos seus 13 filhos. Se consolava da seguinte forma:

Outro indaga: Como não perderei meu filho? Você assim: Como não terei medo de perdê-lo? (IX, 40)

As Meditações contêm inúmeras passagens nos lembrando que a doença e morte são naturais e não devem ser temidas. Por exemplo, Aurélio diz:

“Não faça como se você fosse viver dez mil anos. A morte paira sobre você. Enquanto vive, enquanto está em seu poder, seja bom.” (IV,17)

“Tudo é efêmero, tanto quem se lembra como o que é lembrado”. (IV,35)

“Você é uma pequena alma carregando um cadáver”(IV,41)

Alexandre o macedônio e seu noivo por morte foram levados ao mesmo estado; pois ou foram recebidos nos mesmos princípios seminais do universo, ou foram igualmente dispersos entre os átomos”. (VI, 24)

“como aqueles gladiadores semi-devorados por bestas selvagens, que embora cobertos com feridas e sangue, ainda suplicam ser mantidos mais um dia, embora eles ficarão expostos ao mesmo estado às mesmas garras e mordidas…”( X,8)

Meditações de Marco Aurélio

Donald Robertson autor de “How to Think Like a Roman Emperor: The Stoic Philosophy of Marcus Aurelius” escreveu um um relato dramatizado dos acontecimentos em torno da peste Antonina e a discussão desses eventos em relação à filosofia estoica encontrada. Recomendo a leitura: Stoicism in the Time of Plague



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O que investidores de longo prazo podem aprender com Sêneca?

Texto de Jean Tosetto

O que investidores de longo prazo podem aprender com Sêneca?

Viver é uma arte que requer equilíbrio. O mesmo equilíbrio que as empresas precisam demonstrar em seus balanços patrimoniais. Por isso, ler sobre Filosofia pode ser muito útil para quem atua no mercado financeiro. Afinal de contas, investir não é muito diferente de viver.

Se você pudesse escolher outra época para viver, abriria mão do presente? Eu não. Apesar de ter nascido no analógico século 20, convivo muito bem com o mundo digital do século 21. A Internet abriu a possibilidade de pessoas anônimas se expressarem em público. Antigamente – e não faz tanto tempo assim – apenas quem estava no círculo fechado da imprensa, da política e da universidade, tinha voz, embora tudo fosse editado por muito poucos indivíduos.

Não voltaria para um tempo onde não pudesse ouvir discos dos Beatles e dirigir meu carro, por exemplo. Porém, confesso que não seria de todo ruim viver durante o auge do Império Romano, se pudesse caminhar pelas colinas de Roma e cruzar com gente como Cícero, Ovídio e Sêneca.

Quando pensamos em pessoas do passado remoto, temos a tendência de achar que elas eram ignorantes, dado que não conheciam os avanços científicos, médicos e tecnológicos que qualquer cidadão moderno das grandes cidades tem ao seu alcance. Isto não significa que, antigamente, todos eram burros. Pelo contrário. Os pensadores do período clássico estão entre os mais inteligentes de toda a humanidade.

Eles tinham uma grande vantagem sobre nós: não se distraíam com televisão, YouTube, redes sociais e maratonas de séries da Netflix. Eles tinham tempo para pensar sobre a vida. Por isso, alguns de seus livros sobreviveram por milênios e ainda revelam ensinamentos para nós – e inclusive os investidores de longo prazo no mercado de capitais.

O pretor que também era filósofo

Lúcio Anneo Sêneca nasceu em Córdoba, na Espanha, por volta de quatro anos antes de Cristo. Ainda jovem, foi estudar Filosofia em Roma, tornando-se também advogado. Culto, tinha uma relação de amor e ódio com os poderosos da época. Era conselheiro do imperador Calígula, mas o imperador Cláudio o mandou para o exílio, de onde retornou para ser pretor (educador) de Nero, que também seria imperador mais adiante.

Entre tantas funções, Sêneca era questor. Em Roma, os questores eram responsáveis por administrar bens públicos e cobrar impostos, entre outras coisas, pois eram reconhecidamente bons financistas. Sêneca, portanto, era um filósofo que entendia de questões de mercado. Só por esta breve apresentação, todo investidor moderno deveria ler sua obra, da qual se destaca “Sobre a brevidade da vida”.

O título deste livro, cuja edição brasileira de bolso é mais barata que um cappuccino, é inquietante para quem se considera investidor de longo prazo. Como pode existir o longo prazo se a vida é curta? Sim, a vida é breve e precisa ser vivida com sabedoria, mesmo quando se tem a mentalidade de longo prazo em questões financeiras.

Indagações do questor

Separei algumas passagens da lavra de Sêneca para, quem sabe, despertar em você a vontade de ler seus escritos:

“Não temos exatamente uma vida curta, mas desperdiçamos uma grande parte dela. A vida, se bem empregada, é suficientemente longa e nos foi dada com muita generosidade para a realização de importantes tarefas. Ao contrário, se desperdiçada no luxo e na indiferença, se nenhuma obra é concretizada, por fim, se não se respeita nenhum valor, não realizamos aquilo que deveríamos realizar, sentimos que ela realmente se esvai.”

Segue um alerta para aqueles que programam demais a sua aposentadoria, reprimindo em sua juventude um pouco de equilíbrio entre afazeres e prazeres:

“Ouvirás a maioria dizendo: ‘Aos cinquenta anos me dedicarei ao ócio. Aos sessenta ficarei livre de todos os meus encargos’. Que certeza tens de que há uma vida tão longa? O que garante que as coisas se darão como se dispões? Não ter envergonhas de destinar para ti somente resquícios da vida e reservar para a meditação apenas a idade que já não é produtiva?”

Comprar e abraçar? Já fizeram isso antes

Já em “Aprendendo a viver” – uma compilação de cartas de Sêneca para seu amigo Lucílio, o filósofo romano antecipa, em vários séculos, o conceito do Buy and Hold:

Senecião alcançou a riqueza graças a duas qualidades indispensáveis neste domínio: a arte de adquirir e a arte de conservar. Tanto uma coisa como outra era suficiente para torná-lo rico”.

Sêneca descreve Senecião como um homem “de uma extrema sobriedade e que administrava da mesma maneira a sua pessoa e fortuna”. Eis uma bela definição para os requisitos de um investidor de valor, que não pensa apenas no crescimento de seu patrimônio, mas considera igualmente o seu crescimento pessoal.

Em seus conselhos para Lucílio, Sêneca deixa para a posteridade palavras que se adéquam aos preceitos da educação financeira: “Em tudo, leva em conta a finalidade das coisas, deixando de lado, portanto, o supérfluo”. E continua:

“O que preferes: ter muito ou ter apenas o suficiente? Aquele que tem muito deseja ter mais, o que prova ser insuficiente o que já possui. Aquele que possui o suficiente obteve o que o rico jamais poderá atingir, ou seja, o fim dos seus desejos.”

A palavra é: parcimônia

Neste ponto, fica clara a influência do filósofo Epicuro no pensamento de Sêneca, que em “Da tranquilidade da alma” revela: “Confesso que tenho um grande amor pela parcimônia”. E o que significa parcimônia? De acordo com o dicionário do oráculo Google: “ação ou hábito de fazer economia, de poupar; economia”.

O parcimonioso Sêneca, assim como seu mestre Epicuro, não fazia questão de luxo e pompa. Para eles se alimentarem, ambos preferiam comidas simples e saborosas, ao invés refeições exóticas e de difícil preparo. Podemos traduzir isso para o nosso tempo como ter um padrão de vida equilibrado e controlado. Uma lição útil para quem busca a independência financeira.

Não por acaso, Sêneca era livre de problemas mundanos, como a falta de dinheiro. O dinheiro e as finanças, a propósito, sequer estavam no foco de suas preocupações. O que interessava para ele era debater o medo da morte e defender a eternidade da alma. Assuntos que, aparentemente, não nos dizem mais respeito, quando já somos perpétuos nos arquivos das redes sociais.

A ética acima de tudo

Então, o que a leitura de suas epístolas pode acrescentar para aqueles que exercem o mais mundano dos ofícios, o de negociar em Bolsa de Valores? (A propósito, muitos investidores e especuladores se sentiriam provocados com tais cartas.) A resposta está em valores éticos e morais que podemos assimilar, dado que são perenes e refletem nossas atitudes em qualquer ramo de atividade.

Como ocorre muitas vezes na História, conciliar o livre pensar com a função de conselheiro de poderosos é a receita para um fim amargo, especialmente quando o livre pensar incomoda os medíocres – o que só se agrava quando os medíocres chegam ao poder. O imperador Nero – aquele que botou fogo em Roma – acusou Sêneca de conspiração, lhe ordenando, sem julgamento, que cometesse suicídio.

Vejam como é bom viver em tempos de Internet, repletos de haters – eles incomodam, mas são inofensivos perto dos tiranos.

De algum modo, Sêneca provou-se imortal. Ele mesmo fazia a recomendação para que a gente se servisse da imortalidade daqueles que vieram antes de nós, lendo seus livros. A Filosofia dos antigos é fonte de sabedoria, que por sua vez, é fonte de prosperidade em vários sentidos.

Sêneca arremata: “O sábio não é considerado indigno ao ser agraciado pelo dom da fortuna. Não ama a riqueza, mas a aceita de bom grado. Permite que entre em sua casa, não a rejeita, desde que ela enseje oportunidades para a virtude”.