Na carta 28 Sêneca retoma o ensinamento de Sócrates de que viajar ou mudar de ambiente não é solução para nossos problemas, isso porque:
“Você pergunta por que tal fuga não o ajuda? É porque você foge acompanhado de você mesmo. Você deve deixar de lado os fardos da mente; até que você faça isso, nenhum lugar irá satisfazê-lo.” (XXVIII.2)
Porém uma vez que a paz interior é atingida, qualquer lugar ou ambiente será agradável:
“você não ficara surpreso em não obter benefício dos cenários novos aos quais você busca através da exaustão das cenas antigas. Pois o primeiro lhe teria agradado de toda forma, se você o tivesse entendido como sendo inteiramente seu. Como é, no entanto, você não está viajando; você está à deriva e sendo conduzido, apenas trocando um lugar por outro, embora o que você procura, – viver bem, – pode ser encontrado em toda parte”. (XXVIII.6)
Na conclusão Sêneca diz “Mas o que importa quantos mestres um homem tem? “Escravidão” não tem plural; e quem a despreza é livre“.
(imagem Mercúrio e Argos por Velazquez, Mercúrio era o deus protetor dos viajantes)
XXVIII. Sobre Viajar como cura para o descontentamento
Saudações de Sêneca a Lucílio.
- Você acha que só você teve essa experiência? Você está surpreso, como se fosse uma novidade, que depois de tão longa viagem e tantas mudanças de cena você não tenha sido capaz de se livrar da tristeza e do peso de sua mente? Você precisa de uma mudança de alma, em vez de uma mudança de clima. Embora você possa atravessar vastos espaços de mar, e embora, como nosso Virgílio observa: As terras e as cidades são deixadas para trás, Suas falhas o seguirão a qualquer lugar que você viaje. [1]
- Sócrates fez a mesma observação a alguém que se queixou; ele disse: “Por que você se admira que viajar o globo não o ajuda, visto que você sempre se leva consigo? A razão que o colocou a vagar está sempre em seu calcanhar.” Que prazer há em ver novas terras? Ou na inspeção de cidades e pontos de interesse? Toda a sua agitação é inútil. Você pergunta por que tal fuga não o ajuda? É porque você foge acompanhado de você mesmo. Você deve deixar de lado os fardos da mente; até que você faça isso, nenhum lugar irá satisfazê-lo.
- Reflita que seu comportamento presente é como o da profetisa que Virgílio descreve: ela está excitada e incitada pela fúria e contém dentro de si muita inspiração que não é sua: A sacerdotisa entra em frenesi, se por acaso pode agitar o grande deus do seu coração.[2]
- Você perambula para cá e para acolá, para livrar-se do fardo que pesa sobre você, embora este se torne mais problemático por causa de sua própria inquietação, assim como em um navio a carga quando estacionária não traz nenhum problema, mas quando se desloca para os lados, faz o navio inclinar-se lateralmente na direção onde se estabeleceu. Qualquer coisa que você faz diz respeito a você, e você se machuca por sua própria agitação; porque você está agitando um homem doente.
- Uma vez esse problema removido, toda mudança de cena se tornará agradável; embora você possa ser levado às extremidades da terra, a qualquer canto de uma terra selvagem que você possa se encontrar, esse lugar, por mais difícil que seja, será uma morada hospitaleira. A pessoa que você é importa mais do que o lugar para o qual você vai; por isso não devemos fazer da mente um fiador para um só lugar. Viva essa crença: “Não nasci para nenhum canto do universo, todo este mundo é meu lar”.
- Se você entender este fato claramente, você não ficara surpreso em não obter benefício dos cenários novos aos quais você busca através da exaustão das cenas antigas. Pois o primeiro lhe teria agradado de toda forma, se você o tivesse entendido como sendo inteiramente seu. Como é, no entanto, você não está viajando; você está à deriva e sendo conduzido, apenas trocando um lugar por outro, embora o que você procura, – viver bem, – pode ser encontrado em toda parte.
- Pode existir algum lugar tão cheio de confusão como o Fórum? No entanto, você pode viver em silêncio até mesmo lá, se necessário. Naturalmente, se alguém tivesse permissão para fazer os próprios arranjos, deveria fugir da própria vista e vizinhança do Fórum. Pois, assim como os lugares pestilentos atacam até mesmo a constituição mais forte, há também alguns lugares que são prejudiciais para uma mente saudável que ainda não é bastante sólida, pois está se recuperando de sua doença.
- Eu discordo daqueles que se atiram nas ondas e, dando boas-vindas a uma existência tempestuosa, lutam diariamente contra os problemas da vida. O sábio suportará tudo isso, mas não o escolherá; ele prefere estar em paz em vez de em guerra. É muito pouco ter eliminado suas próprias falhas, se você deve brigar com as dos outros.
- Dizem: “Havia trinta tiranos em torno de Sócrates, e, contudo, eles não podiam quebrar seu espírito”; Mas o que importa quantos mestres um homem tem? “Escravidão” não tem plural; e quem a despreza é livre, – não importa quão grande seja a multidão de senhores que enfrente.
- É hora de parar, mas não antes de eu ter pago minha obrigação. “O conhecimento do pecado é o começo da salvação”. Este ditado de Epicuro parece-me ser um nobre. Pois quem não sabe que pecou, não deseja correção; você deve descobrir-se em erro antes que você possa se reformar.
- Alguns se vangloriam de suas falhas. Você acha que um homem tem alguma intenção de consertar seus caminhos se considera seus vícios como se virtudes fossem? Portanto, na medida do possível, prove-se culpado, procure acusações contra si mesmo; desempenhe o papel, primeiro de acusador, depois de juiz, por último de executor. Às vezes seja duro com você mesmo.
Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.
[1] Trecho de Eneida de Virgílio.
Terraeque urbesque recedant, sequentur te, quocumque perveneris
[2] Trecho de Eneida de Virgílio.
Bacchatur vates, magnum si pectore possit Excussisse deum.