“O desastre é a oportunidade da virtude. “
Sêneca, Sobre a Providência
Quando algo negativo acontece, ou quando somos atingidos pela adversidade, não devemos nos surpreender, mas encarar isso como uma oportunidade de criar uma situação melhor.
Para os estoicos, todo desafio ou adversidade que encontramos é visto como uma oportunidade para testar e desenvolver nosso caráter interior. Além disso, acreditar que as desgraças nunca nos acontecerão é estar fora de sintonia com a realidade, por isso, devemos esperar ativamente por eventuais solavancos na estrada, e às vezes grandes solavancos.
Sêneca e a Transformação da Adversidade
Comecei a escrever esta nota em 12 de abril, dia em que Sêneca foi morto por seu tutelado e empregador, o Imperador Nero.
Apesar de Sêneca ter se tornado um dos homens mais ricos do Império Romano, sua vida foi repleta de consideráveis adversidades. No entanto ele tentou transformar essas desgraças em algo melhor, até mesmo a sentença de morte que recebeu de Nero.
Sob Calígula, como senador, Sêneca começou a acumular grandes riquezas pessoais, o que continuaria a fazer ao longo de sua vida. Mas essas recompensas financeiras eram de fato bênçãos mistas, pois sua vida se tornava cada vez mais perigosa, e muitas vezes sob grave ameaça. Os problemas de Sêneca começaram por volta da idade de quarenta e três anos, quando Calígula quis matá-lo por inveja da qualidade de seus discursos ao Senado. Afortunadamente, o círculo de amigos de Sêneca convenceu Calígula a não matá-lo afirmando que estava doente e que morreria em breve de toda forma.
Mais tarde, quando Sêneca completava os quarenta e cinco anos, o imperador Cláudio o exilou na ilha da Córsega por oito anos e tomou metade de seus bens, sob acusações falsas (a alternativa seria a morte). Esse exílio ocorreu apenas algumas semanas após a morte de seu único filho, que faleceu ainda quando criança (ocorrência comum na época), e implicou na separação completa de sua esposa.
Depois de passar oito anos em Córsega, onde conseguiu escrever bastante (até porque não havia mais nada que ele pudesse fazer lá), finalmente foi chamado de volta a Roma, mas apenas sob a condição de se tornar tutor do jovem Nero, que na época tinha onze anos de idade.
Sêneca não mediu esforços para ajudar Nero a desenvolver um bom caráter, como vemos no livro Da Clemência, dedicado ao jovem imperador. Infelizmente o projeto foi um fracasso total, Nero não tinha nenhum interesse em filosofia ou ética. À medida que Nero crescia, ele se interessava apenas pela sua auto-gratificação e no poder às custas dos outros, o que o transformava em um tirano e um monstro. No final, Nero mandou matar muitos que o rodeavam, incluindo sua própria mãe, seu irmão e depois sua esposa. Nero finalmente mandou matar Sêneca também, para não mencionar muitos outros.
Mas apesar desses sérios obstáculos, que hoje destruiriam psicologicamente muitas pessoas, a filosofia estoica de Sêneca o ajudou a suportar essas dificuldades e a transformá-las em algo positivo. Mesmo quando Nero forçou Sêneca a cometer suicídio – o que seria de longe preferível às formas alternativas de execução disponíveis – Sêneca aproveitou a ocasião de sua própria morte para dar uma última palestra sobre filosofia a vários amigos que estavam presentes, como Sócrates o fez quando foi obrigado a beber o veneno da cicuta.
Como um bom estoico, Sêneca havia se preparado para a morte ao longo de muitos anos, como parte de sua prática e treinamento filosófico, e não mostrou um único traço de preocupação ou medo ao entregar sua vida.
É relatado que ele disse, “Dado o fato de Nero ter matado sua mãe e seu irmão, não é de se estranhar que ele tenha matado também seu tutor”. E embora as últimas palavras de Sêneca sobre filosofia não tenham chegado até nós, é fácil imaginá-lo ecoando os ditos de Sócrates sobre sua morte: “Enquanto você pode me matar, você não pode me prejudicar.”
Imagem: Manuel Domínguez Sánchez, A Morte de Sêneca