Carta 37: Sobre a lealdade à virtude

Na carta 37 Sêneca procura persuadir o leitor a perseverar no estudo da filosofia com um efeito emocional, comparando o discípulo a um soldado que se alista voluntariamente.
Lucílio deve se enxergar como um soldado lutando contra as paixões pela liberdade.  Como filósofo, Lucílio se alistou não apenas para enfrentar a morte, mas para fazê-lo de boa vontade e com prazer, sem esperança de remissão:

O gladiador pode abaixar sua arma e testar a piedade do povo; mas você não abaixará a sua arma nem suplicará pela vida. Você deve morrer ereto e inflexível. Além disso, que lucro é ganhar alguns dias ou alguns anos? Não há absolvição para nós desde o momento em que nascemos.“(XXXVII, 2)

Sêneca conclui a carta afirmando que a sabedoria e razão é o caminho para liberdade e felicidade:

coloque-se sob o controle da razão; se a razão se tornar sua governante, você se tornará governador de muitos.” (XXXVII, 4)
É vergonhoso, em vez de seguir em frente, ser levado e, de repente, em meio ao redemoinho dos acontecimentos, perguntar de forma aturdida: ‘Como é que eu entrei nessa situação?'”.(XXXVII, 5)

(imagem: Pollice Verso (polegar para baixo) – por Jean-Léon Gérôme )


XXXVII. Sobre a lealdade à virtude

Saudações de Sêneca a Lucílio.

1.  Você prometeu ser um homem bom; você se alistou sob juramento; esta é a corrente mais forte que irá mantê-lo no bom discernimento. Qualquer homem estará zombando de você, se declarar que este é um tipo de alistamento afeminado e fácil. Eu não vou lhe enganar. A palavra deste pacto mais honroso é a mesma que as palavras daquele mais vergonhoso, a saber: “Por tortura, prisão ou morte pela espada[1]“.

2. Dos homens que vendem suas forças na arena, que comem e bebem o que devem pagar com seu sangue, é certo que suportarão tais provações mesmo que relutantemente; de você, que as suporte voluntariamente e com empenho. O gladiador pode abaixar sua arma e testar a piedade do povo; mas você não abaixará a sua arma nem suplicará pela vida. Você deve morrer ereto e inflexível. Além disso, que lucro é ganhar alguns dias ou alguns anos? Não há absolvição para nós desde o momento em que nascemos.

3. “Então, como posso me libertar?” Você pergunta. Você não pode fugir das necessidades, mas pode superá-las:

pela força um caminho é aberto.Fit via vi. [2]
    E esta maneira lhe será dada pela filosofia. Recorra, portanto, da filosofia, se quiser estar seguro, tranquilo, feliz, se quiser ser – e isso é mais importante, – livre. Não há outra maneira de atingir esse fim.

4. A estupidez[3] é baixa, abjeta, má, servil e exposta a muitas das paixões mais cruéis. Essas paixões, que são capatazes severos, às vezes governam em turnos, e às vezes juntos, podem ser banidos de você pela sabedoria, que é a única liberdade real. Há apenas um caminho que leva para lá, e é um caminho reto; você não se extraviará. Prossiga com passo firme, e se você tiver todas as coisas sob seu controle, coloque-se sob o controle da razão; se a razão se tornar sua governante, você se tornará governador de muitos. Você aprenderá com ela o que deve empreender e como deve ser feito; você não vai errar nas coisas.

5. Você não pode me mostrar nenhum homem que saiba como ele começou a desejar o que ele deseja. Ele não foi levado a esse passo por premeditação; ele foi dirigido por impulso. A fortuna nos ataca quantas vezes atacarmos a Fortuna. É vergonhoso, em vez de seguir em frente, ser levado e, de repente, em meio ao redemoinho dos acontecimentos, perguntar de forma aturdida: “Como é que eu entrei nessa situação?”.

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.

[1] Sêneca se refere ao famoso juramento que o gladiador tomava quando em contrato com o mestre de luta; Uri, vinciri, verberari ferroque necari patior; O juramento é abreviado no texto, provavelmente pelo próprio Sêneca, que o parafraseia na carta LXXI.

[2] Trecho de Eneida de Virgílio.

[3] Na linguagem do estoicismo, a estupidez, “stultitia“, é a antítese da “sapientia”, sabedoria.

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