Carta 22: Sobre a Futilidade de Meias Medidas

A carta começa com Sêneca se desculpando  por não poder lhe dar conselhos exatos além dos princípios gerais. Com o que Lucílio está preocupado? Aparentemente, com a versão romana antiga de uma corrida de ratos, e como sair dela. A análise de Sêneca começa com as desculpas típicas das pessoas  em busca de riqueza:

A explicação usual que os homens oferecem é errada: “Eu fui compelido a fazê-lo, suponho que era contra minha vontade, eu tinha que fazê-lo.” Mas ninguém é obrigado a perseguir a prosperidade à velocidade máxima;” (XXII.4)

Observe um ponto sutil aqui: Sêneca não está dizendo que a prosperidade não vale a pena prosseguir. É, afinal, um preferido indiferente. Lucílio estava preocupado com suas próprias ocupações. É por isso que seu amigo lembra que ele não tem nenhuma obrigação de viver freneticamente.

Sêneca então acrescenta: “Dos negócios, no entanto, meu caro Lucílio, é fácil escapar, basta você desprezar suas recompensas. Nós somos retidos e impedidos de escapar por pensamentos como estes: “O que, então? Deixarei para trás estas grandes oportunidades? Devo partir no momento da colheita? Não terei escravos ao meu lado? Nenhum empregado para minha prole? Nenhuma multidão na minha recepção? Assim, os homens deixam tais vantagens com relutância; eles amam a recompensa de suas dificuldades, mas amaldiçoam as dificuldades em si.” (XXII.9)

Este é um belo parágrafo, vale a pena meditar. Comece com o fim: as pessoas amam a recompensa de suas dificuldades, mas amaldiçoam as próprias dificuldades. De fato, e o que realmente é gratificante na vida é a experiência em si, não tanto o resultado final. Você já esteve em uma caminhada? Claro, há satisfação quando você chega ao cume e pode olhar para a vista. Mas é todo o processo, bolhas e tudo, que vale a pena.

“Procure na mente daqueles que lamentam o que já desejaram, que falam em fugir de coisas que não podem deixar de ter; você vai compreender que eles estão se demorando por vontade própria em uma situação que eles declaram achar difícil e miserável de suportar. É assim, meu caro Lucílio; existem alguns homens que a escravidão mantém presos, mas há muitos mais que se apegam à escravidão.” (XXII.10-11)

Novamente, que bela frase, especialmente no final: a pior escravidão é aquela a quem nos condenamos, mesmo sem perceber.  A carta termina com uma contemplação mais geral da morte, que Sêneca diz ser o teste final de nossa virtude e nossa filosofia:

Mas o que é mais vil do que se preocupar no próprio limiar da paz?” (XXII.16)

No entanto, muitos simplesmente não conseguem, ou talvez não desejem ouvir, a mensagem, e é por isso que Sêneca conclui com esse sentimento: “Os homens não se importam quão nobremente vivem, mas só por quanto tempo, embora esteja ao alcance de cada homem a viver nobremente, mas é impossível a qualquer homem viver por muito tempo” (XXII.17).

(imagem Boulanger Gustave, o mercado de escravos)


 

XXII. Sobre a Futilidade de Meias Medidas

Saudações de Sêneca a Lucílio.  

  1. Você entende, a este ponto, que deve retirar-se daquelas buscas exibicionistas e depravadas; mas você ainda deseja saber como isso pode ser realizado. Há certas coisas que só podem ser apontadas por alguém que está presente. O médico não pode receitar por carta o tempo adequado para comer ou tomar banho; ele deve sentir o pulso. Há um velho ditado sobre gladiadores, – que eles planejam sua luta no ringue; a medida que observam atentamente, algo no olhar do adversário, algum movimento de sua mão, até mesmo algum detalhe de seu corpo passa uma dica.
  2. Podemos formular regras gerais e coloca-las por escrito, quanto ao que geralmente é feito ou deveria ser feito; tal conselho pode ser dado, não somente a nossos amigos ausentes, mas também às gerações seguintes. No que diz respeito, no entanto, a esta segunda questão, – quando ou como o seu plano deve ser realizado, – ninguém vai aconselhar a distância; temos de nos aconselhar na presença da situação real.
  3. Você deve estar não somente presente em corpo, mas vigilante na mente, se você quiser aproveitar de oportunidade fugaz. Consequentemente, olhe ao redor por uma oportunidade; se você a vê, agarre-a, e com toda sua energia e com toda sua força dedique-se a esta tarefa – livre-se daqueles outros afazeres. Agora ouça atentamente o alvitre que vou oferecer; é minha opinião que você deve retirar-se desse tipo de existência, ou então da existência completamente. Mas eu também defendo que você deva tomar um caminho suave, para que você possa desatar, em vez de cortar o nó que você tem se empenhando tanto em amarrar, apenas se não houver outra maneira de soltá-lo, então poderá cortá-lo. Nenhum homem é tão covarde que prefira pendurar-se em suspense para sempre do que soltar-se de uma vez por todas.
  4. Enquanto isso, – e isso é de primeira importância, – não se prejudique; esteja satisfeito com o negócio ao qual você se dedicou, ou, como prefere que as pessoas pensem, o negócio que lhe foi imposto. Não há nenhuma razão pela qual você deva estar lutando para mais; se o fizer, perderá toda a credibilidade, e os homens verão que não foi uma imposição. A explicação usual que os homens oferecem é errada: “Eu fui compelido a fazê-lo, suponho que era contra minha vontade, eu tinha que fazê-lo.” Mas ninguém é obrigado a perseguir a prosperidade à velocidade máxima; significa algo uma parada – mesmo que não ofereça resistência – em vez de pedir ansiosamente por mais favores da fortuna.
  5. Você deveria me expulsar, se eu não só lhe aconselhar, mas não chamar outros para aconselhá-lo – cabeças mais sábias do que as minhas, homens diante dos quais eu vou colocar qualquer problema sobre o qual estou ponderando. Leia a carta de Epicuro sobre esta matéria; é dirigida a Idomeneu. O escritor pede que se apresse o mais rápido que puder, a bater em retirada antes que alguma influência mais forte se apresente e retire dele a liberdade de fugir.
  6. Mas ele também acrescenta que ninguém deve tentar nada, exceto no momento em que possa ser feito de forma adequada e oportuna. Então, quando a ocasião procurada chegar, esteja pronto. Epicuro nos proíbe de cochilar quando estamos planejando fugir; ele nos oferece a esperança de uma liberação das provações mais duras, desde que não tenhamos pressa demais antes do tempo, nem que sejamos muito lentos quando chegar o momento.
  7. Agora, eu suponho, você também está procurando um lema estoico. Não há realmente nenhuma razão pela qual alguém deva criticar essa escola para você em razão de sua dureza; de fato, sua prudência é maior do que sua coragem. Talvez você esteja esperando que a seita diga palavras como estas: “É vil recuar diante de uma tarefa. Lute pelas obrigações que você uma vez aceitou.” Nenhum homem é corajoso e sério se ele evita o perigo, se seu espírito se fortalece com a própria dificuldade de sua incumbência.”
  8. Ser-lhe-ão faladas palavras como estas, se a sua perseverança tiver um objeto que valha a pena, se você não tiver que fazer ou sofrer algo indigno de um bom homem; além disso, um bom homem não se desperdiçará com o trabalho desprezível e desacreditado, nem estará ocupado apenas por estar ocupado. Nem ele, como você imagina, se tornará tão envolvido em esquemas ambiciosos que terá que suportar continuamente o seu fluxo e refluxo. Não, quando ele vê os perigos, incertezas e riscos em que foi anteriormente jogado, ele vai se retirar, não virando as costas para o inimigo, mas retrocedendo pouco a pouco para uma posição segura.
  9. Dos negócios, no entanto, meu caro Lucílio, é fácil escapar, basta você desprezar suas recompensas. Nós somos retidos e impedidos de escapar por pensamentos como estes: “O que, então? Deixarei para trás estas grandes oportunidades? Devo partir no momento da colheita? Não terei escravos ao meu lado? Nenhum empregado para minha prole? Nenhuma multidão na minha recepção? Assim, os homens deixam tais vantagens com relutância; eles amam a recompensa de suas dificuldades, mas amaldiçoam as dificuldades em si.
  10. Os homens se queixam de suas ambições da mesma forma que se queixam de suas amantes; em outras palavras, se você penetrar seus sentimentos reais, você vai encontrar, não ódio, mas implicância. Procure na mente daqueles que lamentam o que já desejaram, que falam em fugir de coisas que não podem deixar de ter; você vai compreender que eles estão se demorando por vontade própria em uma situação que eles declaram achar difícil e miserável de suportar.
  11. É assim, meu caro Lucílio; existem alguns homens que a escravidão mantém presos, mas há muitos mais que se apegam à escravidão. Se, no entanto, você pretende se livrar dessa escravidão; se a liberdade é genuinamente agradável aos seus olhos; e se você procurar apoio para este propósito único, – que você possa ter a fortuna de realizar este propósito sem perpétua irritação, – como pode toda a escola de pensadores estoicos não aprovar a sua conduta? Zenão, Crisipo, e todos de seu grupo dar-lhe-ão conselho que é moderado, honrável e apropriado.
  12. Mas se você se virar e olhar ao redor, a fim de ver o quanto pode levar com você, e quanto dinheiro você pode manter para equipar-se para a vida de lazer, você nunca vai encontrar uma saída. Nenhum homem pode nadar até a terra e levar sua bagagem com ele. Ascenda-se à uma vida superior, com a benevolência dos deuses; mas que não seja benevolência do tipo que os deuses dão aos homens quando com rostos gentis e amáveis outorgam males magníficos, justificando que coisas que irritam e torturam são concedidas em resposta à oração.
  13. Eu estava colocando o selo nesta carta; mas deve ser aberta outra vez, a fim de que possa entregar a você a contribuição usual, levando com ela alguma palavra nobre. E eis uma coisa que me ocorre; eu não sei o que é maior, sua verdade ou sua nobreza de enunciação. “Falado por quem?” Você pergunta. Por Epicuro; pois ainda estou me apropriando dos pertences de outros homens.
  14. As palavras são: “Todo mundo sai da vida como se tivesse acabado de entrar nela.” Tome alguém de sua relação, jovem, velho ou de meia-idade; você verá que todos têm igualmente medo da morte, e são igualmente ignorantes sobre a vida. Ninguém tem nada terminado, porque mantivemos adiando para o futuro todos os nossos empreendimentos. Nenhum pensamento na citação dada acima me agrada mais do que isso, que insulta velhos como sendo bebês.
  15. “Ninguém”, diz ele, “deixa este mundo de maneira diferente daquele que acaba de nascer”. Isso não é verdade; porque somos piores quando morremos do que quando nascemos; mas é nossa culpa, e não a da natureza. A natureza deveria repreender-nos, dizendo: “O que é isso? Eu lhe trouxe ao mundo sem desejos ou medos, livre da superstição, da traição e das outras maldições. Saiam como eram quando entraram!”
  16. Um homem capturou a mensagem da sabedoria, se ele puder morrer despreocupado como era ao nascer; mas a realidade é que estamos todos tremulantes na aproximação do temido final. Nossa coragem nos falha, nossas bochechas empalidecem; nossas lágrimas caem, embora sejam inúteis. Mas o que é mais vil do que se preocupar no próprio limiar da paz?
  17. A razão, entretanto, é que somos despojados de todos os nossos bens, abandonamos a carga de nossa vida e estamos em perigo; pois nenhuma parte da mesma foi acondicionada no porão; tudo foi lançado ao mar e se afastou. Os homens não se importam quão nobremente vivem, mas só por quanto tempo, embora esteja ao alcance de cada homem a viver nobremente, mas é impossível a qualquer homem viver por muito tempo.

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.