Carta 10: Sobre viver para si mesmo

Em sua décima carta Sêneca continua a ensinar evitarmos multidões e valorizarmos a introspecção, contudo, alerta que muitas vez não devemos confiar sequer em nós mesmo, já geralmente somos tolos e ignorantes.

Sêneca aconselha Lucílio a orar por uma mente sã e saúde, tanto mental quanto física, e a fazê-lo publicamente, sem vergonha. Ele critica aqueles que pedem a Deus coisas que não desejam que outros saibam, sugerindo que a verdadeira liberdade dos desejos é alcançada quando não há nada a esconder.

A carta termina com um provérbio de Atenodoro, enfatizando que a verdadeira ausência de desejo é quando alguém só pede a Deus o que poderia pedir abertamente:

 “Saiba que está livre de todos os desejos quando alcançar o ponto em que não pede nada a Deus senão o que você possa pedir publicamente”. Mas como homens são tolos! Eles sussurram as mais vis orações ao céu, mas se alguém os ouve, eles calam-se imediatamente. O que eles não querem que os homens saibam, pedem a Deus. Não acredito, então, poder te dar algum conselho mais sério que este: “Viva entre os homens como se Deus os observasse, fale com Deus como se os homens estivessem ouvindo”. (X, §5)


X. Sobre viver para si mesmo

Saudações de Sêneca a Lucílio.

1. Sim, eu não mudo minha opinião: evite as multidões, evite os poucos, evite mesmo o indivíduo. Não conheço ninguém com quem eu esteja disposto a compartilhá-lo. E repare o juízo que eu tenho de sua opinião: ouso confiar você a si próprio. Crates,43 dizem eles, o discípulo do mesmo Estilpo que mencionei em uma carta anterior, notou um jovem caminhando sozinho e perguntou-lhe o que ele estava fazendo sozinho. “Estou comungando comigo mesmo”, respondeu o jovem, “então, cuidado,” disse Crates, “você está conversando com um homem mau”!

2. Quando as pessoas estão de luto ou têm medo de alguma coisa, estamos acostumados a observá-las para que possamos impedi-las de fazer um uso errado de sua solidão. Nenhuma pessoa imprudente deve ser deixada sozinha; em tais casos, ela só planeja loucura e acumula perigos futuros para si ou para os outros. Ela coloca em jogo seus instintos básicos, a mente mostra o que o medo ou a vergonha costumavam reprimir, ela aguça a sua ousadia, agita as suas paixões e incita a sua ira. E, finalmente, o único benefício que a solidão confere, o hábito de não confiar em nenhum homem e de não temer testemunhas, é desperdiçado pelo tolo porque ele trai a si mesmo. Lembre-se, portanto, quais são minhas esperanças para você, ou melhor, o que eu estou prometendo, na medida em que a esperança é meramente o título de uma bênção incerta: não conheço ninguém com quem preferira que você se associasse, senão consigo mesmo.

3. Lembro-me da maneira grandiosa com que você lançou certas frases e quão cheias de força elas eram! Imediatamente me congratulei e disse: “Estas palavras não vieram da borda dos lábios, estas declarações têm uma base sólida. Este homem não é um dos muitos, ele tem consideração por seu real bem-estar.

4. Fale e viva desta maneira, cuide para que nada o retenha. Quanto às suas preces anteriores, você pode liberar os deuses de respondê-las. Ofereça novas orações, ore por uma mente sã e por uma boa saúde, primeiro de alma e depois de corpo. E é claro que você deve oferecer essas preces com frequência. Apele com ousadia a Deus, você não vai pedir a Ele o que pertence a outro.

5. Mas devo, como é meu costume, enviar um presente pequeno junto com esta carta. É um verdadeiro provérbio que eu encontrei em Atenodoro:44 “Saiba que está livre de todos os desejos quando alcançar o ponto em que não pede nada a Deus senão o que você possa pedir publicamente”. Mas como homens são tolos! Eles sussurram as mais vis orações ao céu, mas se alguém os ouve, eles calam-se imediatamente. O que eles não querem que os homens saibam, pedem a Deus. Não acredito, então, poder te dar algum conselho mais sério que este: “Viva entre os homens como se Deus os observasse, fale com Deus como se os homens estivessem ouvindo”.

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.


43 Crates de Tebas (c. 365 – c. 285 BC) foi um filósofo cínico. Crates doou seu dinheiro para viver uma vida de pobreza nas ruas de Atenas. Respeitado pelo povo de Atenas, ele é lembrado por ser o professor de Zenão de Cítio, o fundador do Estoicismo. Vários fragmentos dos ensinamentos de Crates sobreviveram, incluindo sua descrição do de um estado cínico ideal.

44 Atenodoro de Tarso ou Atenodoro Cananita (ca. 74 a.C. – 7) foi um filósofo estoico. Nasceu em Canana, perto de Tarso (no que é hoje a Turquia, foi aluno de Posidônio de Rodes e professor de Otaviano – o futuro imperador Augusto).