Carta 6: Sobre Compartilhar Conhecimento

Sêneca diz que nada é agradável de se possuir sem amigos para compartilhar.  Pede que Lucílio continue estudando, não só através de livros, mas principalmente através de exemplos, e, principalmente, que compartilhe com os outros o que tem aprendido.

Cleantes não poderia ter sido a imagem expressa de Zenão se ele tivesse apenas ouvido suas palestras; não, ele compartilhou sua vida, viu em seus propósitos ocultos e observou-o para ver se ele vivia de acordo com suas próprias regras. Platão, Aristóteles e toda a multidão de sábios que estavam destinados a seguir cada um o seu caminho diferente, tiraram mais proveito do caráter do que das palavras de Sócrates. Não era a sala de aula de Epicuro, mas viver juntos sob o mesmo teto, que fez grandes homens de Metrodoro, Hermarco e Polieno.” (Carta VI, §6)

(imagem: Escola de Atenas – por Raphael )


VI. Sobre compartilhar conhecimento

Saudações de Sêneca a Lucílio.

1. Sinto, meu caro Lucílio, que não só estou me corrigindo; além disso, me estou transfigurando. Entretanto, ainda não me asseguro, nem concedo a esperança de que não haja em mim elementos que precisem ser mudados. Claro que há muitos que devem ser feitos mais consistentes ou mais afiados ou serem conduzidos a maior destaque. E, realmente, esse mesmo fato é prova de que meu espírito está transformado em algo melhor, que ele pode ver suas próprias falhas, das quais antes era ignorante. Em certos casos, os doentes são parabenizados apenas porque eles perceberam que estão doentes.

2. Desejo, portanto, comunicar-lhe esta repentina mudança em mim: eu deveria então começar a depositar uma confiança mais segura em nossa amizade, a verdadeira amizade que a esperança, o medo e o interesse próprio não podem romper, a amizade em que e para a qual os homens podem encontrar a morte.

3. Eu posso mostrar-lhe muitos a quem têm faltado não um amigo, mas uma amizade; isso, no entanto, não pode acontecer quando as almas são unidas por inclinações idênticas em uma aliança de desejos honestos. E por que não pode acontecer? Porque em tais casos os homens sabem que têm todas as coisas em comum, especialmente suas aflições. Você não pode conceber o nítido progresso que eu percebo que cada dia me traz.

4. E quando diz: “Dá-me também uma parte destes dons que acha tão úteis”, respondo que estou ansioso para empilhar todos estes privilégios sobre você e que estou feliz em aprender para que eu possa ensinar. Nada me agradará, não importa o quão excelente ou benéfico, se eu dever manter tal conhecimento exclusivo para mim. E se a sabedoria me for dada, sob a condição expressa de que ela deva ser mantida escondida e não pronunciada, eu deveria recusá-la. Nenhuma coisa boa é agradável de possuir sem amigos para compartilhá-la.

5. Vou, portanto, enviar-lhe os livros que utilizei e, para que não perca tempo procurando aqui e ali por tópicos proveitosos, vou marcar certas passagens, para que você possa voltar-se imediatamente para aquelas que eu aprovo e admiro. Naturalmente, porém, a voz viva e a intimidade de uma vida comum ajudarão você mais do que a palavra escrita. Você deve ir para o cenário da ação, primeiro, porque os homens colocam mais fé em seus olhos do que em seus ouvidos e segundo, porque o caminho é longo se alguém segue conselhos, mas curto e útil, se segue exemplos.

6. Cleantes1 não poderia ter sido a imagem expressa de Zenão se ele tivesse apenas ouvido suas palestras; não, ele compartilhou sua vida, viu em seus propósitos ocultos e observou-o para ver se ele vivia de acordo com suas próprias regras. Platão, Aristóteles e toda a multidão de sábios que estavam destinados a seguir cada um o seu caminho diferente, tiraram mais proveito do caráter do que das palavras de Sócrates. Não era a sala de aula de Epicuro, mas viver juntos sob o mesmo teto, que fez grandes homens de Metrodoro, Hermarco e Polieno. Portanto, eu lhe insisto, não apenas para que aufira benefícios, mas para que conceda benefícios, pois podemos auxiliar-nos mutuamente.

7. Entrementes, estou em dívida da minha pequena contribuição diária; direi o que me agradou hoje nos escritos de Hecato. São estas palavras: “que progresso, você pergunta, eu fiz? Eu comecei a ser um amigo de mim próprio.” Isso foi realmente um grande auxílio! Tal pessoa nunca pode estar sozinha. Você pode ter certeza de que esse homem é amigo de toda a humanidade, toda a gente o pode ter.

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.

Notas:

1 NT: Cleantes de Assos (ca. 330 a.C. – ca. 230 a.C.), foi um filósofo estoico, discípulo e continuador de Zenão de Cítio. Tendo iniciado o estudo da filosofia aos 50 anos de idade, depois de ter sido atleta e apesar de viver na pobreza, seguiu as lições de Zenão e após a morte deste, no ano 262 a.C., assumiu a liderança da escola, cargo que manteria por 32 anos, preservando e aprofundando as doutrinas do seu mestre e antecessor.

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