Carta 5: Sobre a virtude do Filósofo

Na carta 5 Sêneca explica o significado do lema estoico  “Viva de acordo com a Natureza” e recomenda um estilo de vida frugal e comedido , evitando avarice e luxos extremos. Fala sobre esperança e medo, apresentando uma relação surpreendente entre ambos.

Finalmente exorta a aproveitarmos o presente sem ansiedade pelo futuro ou atormentação pelo passado:

…Assim como a mesma cadeia prende o prisioneiro e o carcereiro que o guarda, também a esperança e o medo, por mais dissimilares que sejam, caminham juntas; à esperança segue sempre o medo.

Não me surpreende que procedam dessa maneira. Ambos conceitos pertencem a uma mente que está incerta, uma mente que está preocupada aguardando com ansiedade o futuro. Mas a causa principal de ambos os males é que não nos adaptamos ao presente, mas enviamos nossos pensamentos a um futuro distante. E assim a capacidade de prever, a mais bela benção da raça humana, torna-se pervertida.” (Carta 5, §7-8)

(imagem: Entre Esperanaça e Medo – por Lawrence Alma-Tadema )

V. Sobre a virtude do filósofo

Saudações de Sêneca a Lucílio.

1. Eu o elogio e me encho de contentamento pelo fato de você ser persistente em seus estudos e que, colocando tudo de lado, você a cada dia se esforça para se tornar um homem melhor. Não me limito a exortá-lo a continuar, eu realmente imploro que você faça isso. Advirto-o, no entanto, a não agir de acordo com a moda daqueles que desejam ser notáveis em vez de melhorar, fazendo coisas que despertarão comentários sobre suas vestes ou seu estilo geral de vida.

2. Devem ser evitados trajes repulsivos, cabelos desgrenhados, barba desleixada, desprezo aberto ao uso de talheres e quaisquer outras formas pervertidas de auto exibição. O mero conceito de filosofia, ainda que silenciosamente perseguido, é objeto de suficiente desprezo. E o que aconteceria se começássemos a nos afastar dos costumes de nossos semelhantes? Internamente, devemos ser diferentes em todos os aspectos, mas nosso exterior deve estar em conformidade com a sociedade.

3. Não se vista demasiadamente elegante, nem ainda demasiadamente desleixado. Não se precisa de peitoral de prata, incrustado e gravado em ouro maciço; mas não devemos acreditar que a falta de prata e ouro seja prova de uma vida simples. Procuremos manter um padrão de vida mais elevado do que o da multidão, mas não um padrão contrário, caso contrário, assustaremos e repeliremos as mesmas pessoas que estamos tentando melhorar. Temos que compreender que eles estão relutantes a nos imitar em qualquer coisa, porque eles têm medo de que eles sejam compelidos a imitar-nos em tudo.

4. A primeira coisa que a filosofia se compromete a dar é o senso comum, a humanidade, o companheirismo entre todos os homens; em outras palavras, simpatia e sociabilidade. Nós nos diferenciamos se nós somos diferentes dos outros homens. Devemos velar para que os meios pelos quais desejamos atrair admiração não sejam absurdos e odiosos. Nosso lema, como você sabe, é “Viva de acordo com a Natureza”,1 mas é bastante contrário à natureza torturar o corpo, odiar a elegância espontânea, ser sujo de propósito, tomar comida que não é somente simples, mas repugnante e desagradável.

5. Assim como é um sinal de luxo procurar finas iguarias, é loucura evitar o que é habitual e pode ser comprado razoavelmente sem grande dispêndio. Filosofia exige vida simples, mas não de penitência e podemos perfeitamente ser simples e asseados ao mesmo tempo. Este é o meio que eu sanciono. Nossa vida deve se guiar entre os caminhos de um sábio e os caminhos do mundo em geral, todos os homens devem admirá-la, mas devem compreendê-la também.

6. “Bem, então, agiremos como os outros homens? Não haverá distinção entre nós e eles todos?” Sim, distinção muito grande. Os homens descobrirão que somos diferentes do rebanho comum se olharem de perto. Se eles nos visitam em casa, eles devem nos admirar, ao invés de admirar nossas mobílias. É um grande homem quem usa pratos de barro como se fossem de prata; mas é igualmente grande quem usa prataria como se de barro fosse. É o sinal de uma alma instável não poder tolerar riquezas.

7. Mas desejo compartilhar com você o saldo positivo de hoje também. Encontro nos escritos de nosso Hecato2 que a limitação dos desejos ajuda também a curar medos: “Deixe de ter esperança”, diz ele, “e deixará de temer”. Mas como, você vai responder, “coisas tão diferentes podem ir lado a lado?” Deste modo, meu caro Lucílio: embora pareçam divergentes estão, contudo, realmente unidas. Assim como a mesma cadeia prende o prisioneiro e o carcereiro que o guarda, também a esperança e o medo, por mais dissimilares que sejam, caminham juntas; à esperança segue sempre o medo.

8. Não me surpreende que procedam dessa maneira. Ambos conceitos pertencem a uma mente que está incerta, uma mente que está preocupada aguardando com ansiedade o futuro. Mas a causa principal de ambos os males é que não nos adaptamos ao presente, mas enviamos nossos pensamentos a um futuro distante. E assim a capacidade de prever, a mais bela benção da raça humana, torna-se pervertida.

9. Animais evitam os perigos que veem e quando escapam estão livres de preocupação; mas nós homens nos atormentamos sobre o que há de vir, assim como sobre o que é passado. Muitas de nossas bênçãos trazem a nós desgraça, pois a memória recorda as torturas do medo, enquanto a previsão as antecipa. O presente sozinho não faz nenhum homem infeliz.

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.

Notas:

1 Lema da escola estoica.

2 NT: Hecato de Rodes foi um filósofo estoico, discípulo de Panécio de Rodes. Não se conhecem outros detalhes da sua vida, mas era um filósofo eminente entre os estoicos deste período. Era um escritor prolífico, ainda que não tenha chegado nenhum escrito até aos nossos dias. Diógenes Laércio menciona seis tratados de sua autoria.