Texto de Aldo Dinucci, publicado originalmente no blog Estoicismo Artesanal.
“É sinal de incapacidade ocupar-se excessivamente com as coisas do corpo, tal como se exercitar muito, correr muito, beber muito, sair constantemente para aliviar-se, fazer sexo em demasia. É preciso fazer essas coisas como algo secundário: que a atenção esteja toda voltada para o pensamento.”
Epicteto, Manual, capítulo XLI em Tradução Aldo Dinucci
Comentário:
Diz-nos Aulo Gélio (Noites Áticas, III, XIX, ii, 7-8): “Sócrates costumava dizer que os homens desejam viver para comer e beber, mas ele comia e bebia para viver”. O Estoicismo reafirma essa posição socrática, segundo a qual fazer do prazer a razão do viver é pôr-se sob o domínio da externalidade. Porém, não há aí uma condenação do prazer: ele será bom se o humano usufrui-lo mantendo-se senhor de si mesmo. Além disso, muitas vezes será bom evitar certos prazeres para que o humano, fortalecendo-se, possa suportar determinados sofrimentos. Por exemplo: quem se habituar a uma alimentação requintada terá problemas quando precisar servir-se de alimentos simples; quem se habituar a ser transportado de lá para cá terá problemas quando precisar caminhar. A função do prazer será, como nos diz Epicteto, secundária: um refrigério que nos ajudará a viver (e não algo em razão do que devamos viver).
Cumpre notar que a própria razão nos diz que, às vezes, é preciso nos afastar dela. O ideal de homem do estoicismo não é um monge de pedra, não é monge algum, mas é um homem integralmente forte, um guerreiro que luta com as armas da razão buscando sua felicidade e, através dela, a felicidade dos demais. Mas o filósofo-guerreiro tem de descansar no intervalo das lutas. Sem isso, tornar-se-á um escravo da própria razão. E, como a sabedoria não admite ninguém como escravo, ela mesma nos ensina sobre a necessidade de buscarmos de quando em vez o devaneio e o descanso. Quanto a isso, diz-nos Sêneca (Da Tranquilidade da Alma, xvii):
[4] Não se deve manter a mente igualmente na mesma intensidade (tensão), mas deve-se distrai-la com jogos e brincadeiras. Sócrates não enrubescia quando brincava com crianças… [5] Deve-se dar descanso aos espíritos; repousados, se levantam melhores e mais agudos. Do mesmo modo que não se deve exigir fertilidade à terra —pois, nunca repousando, sua fecundidade rapidamente se exauriria ,— assim também o assíduo labor despedaça o ímpeto dos espíritos, que receberiam forças tendo relaxado e descansado; nasce da constância dos trabalhos dos espíritos um certo entorpecimento e langor… [8] Deve-se ser indulgente com o espírito e dar-lhe de vez em quando tempo livre que lhe conceda espaço para se alimentar e se fortalecer. E deve-se deixá-lo vagar em espaços abertos, para que o espírito se eleve e se estenda no céu aberto e no ar pleno; [10] pois ou acreditamos no poeta grego Menandro, que nos diz que ‘De vez em quando é agradável enlouquecer,’ ou em Platão, que nos diz que ‘Em vão bateu às portas da poesia quem estava senhor de si mesmo’ (Fedro, 222, 245 a), ou em Aristóteles, que nos diz que ‘Não existe grande gênio sem mescla de loucura’. (Tradução do latim: Aldo Dinucci)