Resenha: Seneca, Vida e Filosofia

Recentemente grupos de estoicismo em lingua inglesa estão debatendo o caráter de Sêneca, como vemos aqui e aqui. Creio que o filósofo, assim como São Paulo ou St. Agostinho de Hipona, descobriu o caminho da virtude e ética em uma etapa posterior de sua vida. Obviamente, como no caso dos santos, isto não mancha seus escritos e sua filosofia, muito pelo contrário, penso que acrescenta valor.

Em sua Carta 8 a Lucílio ele diz:

Há certos conselhos sadios, que podem ser comparados às prescrições de remédios, estes eu estou pondo por escrito pois achei-os úteis para ministrar às minhas próprias feridas, que, se não estão totalmente curadas, ao menos deixaram de se espalhar.” (VIII, 2)
Aponto outros homens para o caminho certo, que eu encontrei tarde na vida, quando cansado de vagar.” (VIII, 3)

No tratado A vida feliz, Sêneca responde a acusações que lhe são feitas, onde ele é notavelmente franco. Ele está falando com seu irmão sobre todos os seus fracassos pessoais, das maneiras pelas quais ele não está à altura do ideal e, acima de tudo, do seu incrível luxo:  ele fala em ter árvores que são plantadas apenas para a sombra, de ter vinhos exclusivos, de ter tantos escravos que ele não sabe quais são seus nomes,  de ter tantos imóveis que nem sequer sabe onde todos ficam. Em outras palavras, ele é realmente uma pessoa de estupenda riqueza. Diz que teria muito mais a listar contra si próprio. Mas no momento quer afirmar apenas um ponto:

não sou um homem sábio, nem jamais serei. Por isso não exija de mim que eu seja igual ao melhor, mas que eu seja melhor do que os maus.” (A Vida Feliz, XVII, 3)

Sêneca sabe de suas falhas, mas afirma que está tentando. Ele está realmente tentando trabalhar seus vícios todos os dias e melhorar um pouco a cada dia que passa.

Um excelente livro para conhecer melhor a vida de Sêneca e sua filosodia foi escrito por Francis Holland. Originalmente destinada a servir de introdução para uma tradução das cartas de Sêneca que acabou não sendo publicada, o texto foi publicado independentemente, fez sucesso e atingiu público muito superior ao imaginado pelo próprio autor e editor.

A obra apresenta um relato atraente de Sêneca em relação à sua época e aos três imperadores com quem ele conviveu proximamente: Calígula, Cláudio e Nero. O relato vívido de Holland, usando muitas vezes citações do texto de Sêneca, descreve acontecimentos de sua vida que nos faz imaginar estarmos vivendo na corte do antigo império.

Acadêmicos da época da publicação criticaram alguns pontos do livro, afirmando não haver exatidão nos detalhes apresentados e erros históricos facilmente verificáveis. Por exemplo, Holland afirma que o pai de Sêneca escreveu cinco livros de Controvérsias (Controversiae), quando realmente foram dez. Outra crítica é que Holland faz declarações explicitas sem evidência: “a declaração explícita na p. 36 que Sêneca escreveu ‘após um intervalo de seis meses de sua chegada [na Córsega] a Consolação à sua mãe’ é, no que diz respeito à data, uma informação sem base evidencial, mas que toca um ponto controverso”.[1] Holland ignora muitas perguntas exasperantes ou as aborda apenas superficialmente. Não há uma boa discussão sobre a causa do banimento de Sêneca para Córsega, o suposto adultério de Sêneca com Júlia. Essa acusação afetaria fortemente seu caráter moral e deveria ser melhor explicada. Tão pouco o livro faz alusão à primeira esposa de Sêneca, apenas nos conta sobre Paulina, que é referida como segunda esposa.

O principal mérito do livro reside em sua simpatia entusiasta e cativante pelo assunto e em seus vivos olhares sobre a corte imperial em Roma. A falta de detalhes, omissões ou pequenas inexatidões são irrelevantes para aqueles que querem entender melhor a filosofia de Sêneca ao conhecer sua vida e época.

Se não conseguimos acordo nem sobre o caráter de políticos atuais, imagine então tentar julgar um estadista de 2000 anos atrás e, pior ainda, usando a moral vigente hoje! Devemos estudar e debater a filosofia de Sêneca pois a temos por escrito e podemos estuda-la objetivamente. Analisar o caráter do filósofo só polui e politiza o debate.

Nunca terei vergonha de citar um mau autor se a fala for boa” – Sêneca, Sobre a tranquilidade da Alma.


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